O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS CUSTOS DO LAZER – ABUSIVIDADE OU TRANSPARÊNCIA NA COBRANÇA


Recentemente, foi julgado o recurso da Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado que reconheceu a ilegalidade da cobrança da taxa de conveniência para ingressos comprados pela internet em sites de eventos (REsp nº 1737428).

 A decisão, proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, cuja relatoria é da Ministra Nancy Andrighi, deu provimento ao recurso da Associação, declarando ilegal a cobrança da referida taxa de conveniência, bem como determinando aos consumidores a devolução dos valores cobrados nos cinco anos anteriores (2008) ao ajuizamento do processo (2013).

A Relatora entendeu que a taxa não poderia ser cobrada dos consumidores pela mera disponibilização de ingressos em meio virtual, por entender que se trata de venda casada (artigo 39, I, do CDC), bem como transferência indevida do risco da atividade comercial do fornecedor ao consumidor.

A Ministra, ainda, fundamenta sua decisão de forma que, o consumidor, quando opta por adquirir seu ingresso de forma online não teria direito de escolha, pois apenas uma empresa os disponibiliza.

Importante salientar que há uma vasta gama de espetáculos existentes no país, logo, se o consumidor opta por assistir a um determinado show, musical, espetáculo teatral, submete-se ao pagamento do valor do ingresso previamente estipulado e informado, da forma como preferir.

Tal prática, no nosso entendimento, deve ser analisada sob o viés da liberdade de escolha. Vejamos.

O Professor Rogério Donnini define venda casada como a prática “em que o fornecedor procura submeter, mediante um ato de condicionamento, o consumidor à aquisição de outro produto ou serviço, diverso daquele escolhido, para que possa comprar o originalmente pretendido.” (Revista dos Tribunais | vol. 999/2019 | p. 347 - 366 | Jan / 2019 | DTR\2018\22791).

No caso em comento, o consumidor possui duas opções para adquirir o seu ingresso, sendo: (i) deslocar-se até um ponto de venda autorizado; gastar com transporte e/ou estacionamento; enfrentar trânsito e aguardar por horas na fila e, sem contar, na possibilidade de esgotamento dos ingressos, após realizar todo este trajeto; (ii) permanecer em sua residência, no trabalho ou em qualquer outro lugar e acessar de seu celular ou computador, aplicativo ou site da empresa, com toda comodidade, verificando, de pronto, a disponibilidade do ingresso pretendido.

É importante mencionar que os eventos, no geral, possuem uma Bilheteria Oficial para compras realizadas diretamente pelo cliente e que não enseja a cobrança da taxa de conveniência, que pode ser um ponto de venda, por exemplo, ou ainda, a própria bilheteria do local onde será realizado o espetáculo, show ou evento.

Logo, quando o consumidor se dirige ao ponto de venda, como a Bilheteria Oficial do evento, não há a cobrança da chamada taxa de conveniência. No entanto, quando opta pela compra do ingresso pelo aplicativo ou site, é nítido que optou pela comodidade, pois não precisará se deslocar até o local de compra do ingresso físico e optou por adquirir de uma empresa que presta esse serviço para ele.

Se o consumidor possui duas formas de adquirir o ingresso, é ele quem escolhe aquela que melhor atenderá os seus requisitos, razão pela qual, em nosso entendimento, há liberdade de escolha e, portanto, com o respeito à Ministra, não há que se falar em venda casada, pois a compra do ingresso não está condicionada, exclusivamente à venda online, na medida em que pode ser adquirido diretamente na bilheteria oficial.

Ora, o consumidor, uma vez interessado no espetáculo, possui algumas possibilidades de escolha para adquirir o seu ingresso, optando pela forma que mais lhe agradará.

Desta forma, entende-se que a liberdade de escolha está preservada porque o consumidor não é obrigado a adquirir o seu ingresso online e, quando opta por realizar a compra online, acaba pagando pelo diferencial do serviço.

Além disso, conforme disposto no artigo 6º, III, do CDC, é um dever do fornecedor prestar “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.”

Seguindo esse entendimento, no presente caso, não há qualquer afronta ao dispositivo mencionado, na medida em que a empresa deve detalhar cada um dos produtos/serviços oferecidos, bem como o preço que compõe cada um deles – quando da aquisição de um ingresso, por exemplo - o que, nesta situação, verifica-se que há sempre a menção do valor pago pelo ingresso e pela mencionada taxa de conveniência, ambos devidamente discriminados.

Sendo assim, de acordo com nosso entendimento, inexiste venda casada, mas, liberdade de opção do local para aquisição, bem como informação prévia e clara sobre o preço do produto (ingresso) e do serviço (aquisição online e não presencial).

Dra. Nayara Teixeira Ferreira
Departamento: Relações de Consumo




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APLICABILIDADE DA LEI DOS “DISTRATOS” NOS CONTRATOS FIRMADOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA



A recém-sancionada Lei nº 13.786/2018 veio disciplinar a resolução dos contratos de venda e compra de imóveis construídos em incorporação imobiliária e em loteamentos urbanos, trazendo substanciais alterações às Leis nºs 4.591/1964 e 6.766/1979, que tratam da Incorporação Imobiliária e Parcelamento do Solo Urbano, respectivamente, trazendo a regulamentação dos chamados “distratos”, bem como outras questões como a obrigatoriedade da inclusão do quadro-resumo nos instrumentos contratuais, a validade da cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, o direito de arrependimento e demais sanções quanto ao distrato.

Conhecida como “Lei dos Distratos”, a nova normativa traz legalidade às inúmeras discussões que movimentam o Poder Judiciário com expectativa de reduzir os litígios, bem como torna mais factível a possibilidade da retomada do crescimento da economia no setor imobiliário.

Umas das principais discussões acerca da nova Lei é sua aplicabilidade nos contratos anteriores à sua vigência.

Pois bem.

O § 1º do artigo 6º da LINDB, diz que “o ato jurídico perfeito é aquele já realizado, acabado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.

O artigo acima citado ampara o entendimento exarado pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[1], segundo o qual a Lei n° 13.786/2018 não pode ser aplicada nos contratos firmados antes de sua entrada em vigor. Segundo o relator, Dr. Alexandre Marcondes, a aplicação da Lei é inadmissível nos contratos firmados antes da sua vigência, sob pena de violação do ato jurídico perfeito, que é garantia constitucional que visa a segurança jurídica e patrimonial. Ainda, menciona que os negócios jurídicos e suas consequências são regidas pela legislação que se achava em vigor no momento da celebração do contrato, tempus regit actum.

Assim, de acordo com o entendimento a Lei nº 13.786/2018 não pode/poderia ser aplicada nos contratos celebrados antes de sua entrada em vigor.

No entanto, a questão é complexa e há controvérsia no próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo como pilar o artigo 2.035 do Código Civil de 2002, que dispõe:

“Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução”.

Pela análise do referido artigo fica evidente, então, que os efeitos trazidos após a vigência do CC/02, aplicam-se à regra da Lei em vigor, o que, em outras palavras, significa dizer que poderíamos afirmar que a Lei nº 13.786/2018 também se aplica imediatamente nas questões que envolvem a extinção contratual.

Nesse sentido, em outro julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, desta vez em decisão proferida pela r. 7ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo[2], o entendimento aplicado foi diverso daquele exarado pela Eg. 3ª Câmara de Direito Privado. Neste caso, o r. juízo entendeu ser aplicável os termos da Lei n° 13.786/2018 e determinou a restituição de 75% do valor pago pelo autor a título de aquisição da unidade, ou seja, somente as parcelas pagas pelo imóvel.

Em sua fundamentação, o juiz ressaltou que não consta prova de que o empreendimento foi construído sob o regime do Patrimônio de Afetação, pelo qual não seria possível a aplicação do percentual de retenção de 50% (cinquenta por cento) trazido pela nova Lei, mas tão somente a retenção de 25% (vinte e cinco por cento).

Segundo o magistrado, a Lei não traz grandes prejuízos ao consumidor, sendo cabível a sua aplicabilidade.

Ainda, destacou o juiz que: “...não vislumbro, de momento, qualquer inconstitucionalidade formal ou material para a não aplicação imediata da lei. Inclusive por estar-se diante, no entendimento deste magistrado, de norma de retroatividade média, qual seja, se opera quando a nova lei, sem alcançar os atos ou fatos anteriores, atinge os seus efeitos ainda não ocorridos (efeitos pendentes).”

Na mesma linha, em outro recente julgado, o Relator Dr. Natan Zelinschi de Arruda, fundamentou a ressalva de que a nova Lei não atingiu o ato jurídico perfeito e nem coisa julgada, de modo que a aplicação pode, também, ser feita em contratos anteriores a sua vigência.[3]

O entendimento dos nobres julgadores não nos parece desacertado, pois não se pode negar a eficácia da nova Lei se o inadimplemento contratual e a resolução se deram em seu amparo, dado que o tempo rege o ato.

Além disso, conforme ressaltado anteriormente, a nova Lei traz legalidade ao assunto que movimenta milhares de ações judiciais conduzidas por juízes, desembargadores e ministros, e a sua aplicabilidade nos contratos antigos visa amparar o Poder Judiciário a resolver as ações que estão em curso. De toda forma, vê-se, então, que com estas decisões, a aplicação da Lei nº 13.786/2018 no tempo está longe de ser pacificada, de modo que o assunto ainda gerará muita discussão no Poder Judiciário e no mercado imobiliário.


[1] TJSP; Embargos de Declaração 1042713-08.2016.8.26.0100; Relator (a): Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 38ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/02/2019; Data de Registro: 13/02/2019
[2] Processo nº 1070803-55.2018.8.26.0100, Tribunal de Justiça de São Paulo, Juiz Senivaldo dos Reis Junior, J. 10 de janeiro de 2019.
[3] TJ/SP; Apelação 1010259-32.2013.8.26.0309; Relator (a) Natan Zelinschi de Arruda. Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jundiaí - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/02/2019; Data de Registro: 20/02/2019





Stephanie Oliveira Gomes
Departamento Imobiliário

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