O Código de Defesa do Consumidor
prevê a possibilidade de o consumidor exercitar um direito potestativo, qual
seja, o direito de se arrepender, de desistir de uma compra, desde que essa
compra seja realizada “à distância”, fora do estabelecimento comercial, no
prazo de 7 dias. O prazo é contado em dias corridos e tem início no dia
seguinte ao do recebimento do produto ou da prestação do serviço, ou do dia
seguinte ao da data da assinatura do contrato, o que ocorrer por último.
O direito de arrependimento serve
de garantia ao consumidor, vulnerável, em face das técnicas agressivas de venda
(vendas emocionais), pois auxilia no déficit informacional e no déficit de
reflexão. Ainda, resguarda a liberdade de escolha e o livre consentimento do
consumidor na sociedade de consumo, na medida em que a distância prejudica o
livre e refletivo consentimento.
Tal direito também serve de
estímulo à concorrência e visa evitar a judicialização, com a resolução
consensual imediata após a manifestação do interesse de desistir que, frisa-se,
não precisa ser motivado, justificado. Nesse aspecto, impende ressaltar que a
judicialização do exercício de direito de arrependimento sem que o consumidor
tenha entrado em contato com a empresa para manifestar seu interesse em
devolver o produto ou recusar o serviço levará à extinção do processo sem
resolução do mérito, por ausência de pretensão resistida.
Pois bem. De uma primeira leitura,
parece simples resolver os problemas relacionados ao direito de arrependimento.
No entanto, passados quase 30 anos de vigência do artigo, situações concretas
revelam que a boa-fé objetiva, prevista como princípio no art. 4º, IIII, CDC,
deve prevalecer sobre a leitura fria do art. 49 do mesmo diploma.
É certo que se trata do exercício
regular de um direito. Porém, o abuso ou situações que firam a boa-fé objetiva
impedirão o exercício do direito de arrependimento, ainda que o CDC e o Decreto
7962/13 não tragam exceções expressas.
Logo,
há situações que não justificam o direito de retratação, tais como, mas não se
limitando a: (i) produtos que não estejam em perfeito estado, com embalagens e/ou
lacres violados; (ii) produtos e serviços que, em razão de uma condição
inerente, se esgotam no ato; (iii) arrependimento contumaz que caracterize
abuso do direito; (iv) produtos e serviços depreciados; (v) produtos
personalizados, customizados, sob encomenda; (vi) seguro viagem; (vii)
periódicos, jornais, revistas, livros, CDs, DVD´s (digitais ou não); (viii)
ações em bolsa; (ix) quando a venda se deu por meio de visitas a domicílio ou
no local de trabalho, mas o consumidor já conhece e já adquiriu o produto ou
serviço em outras ocasiões; (x)
exercido em descumprimento às condições de política de troca, havendo efetivo
uso do bem adquirido;(xi) quando o produto ou serviço adquirido resguarda as
mesmas condições se comparadas à contratação realizada no próprio
estabelecimento comercial e inexiste distinção entre uma e outra modalidade de
contratação, pois nesses casos o consumidor consegue aferir com precisão e
exatidão do que adquirira; (xii) produtos e serviços em que é da essência do
ato a formalização em local não compreendido pelo estabelecimento comercial
(Ex.: cartórios).
Frisa-se que o próprio DPDC, por
meio da Nota Técnica 40/13, já manifestou o entendimento de que o bem “deve estar em condições que permitam sua
revenda posterior sem perda de valor, cabendo ao consumidor, em regra, seguir
as orientações do fornecedor para sua visualização, com possibilidade de
abertura ou não, em caso de devolução”. A título ilustrativo, a Diretiva
Europeia 2011/83 determina que o consumidor responde pela depreciação do bem em
razão da manutenção que excede o necessário para análise do produto.
Da mesma forma e com base nos
mesmos princípios, não poderá existir abusos por parte do fornecedor quanto às
exigências nas Políticas de trocas e devoluções, que deverá observar os
comandos do Decreto lei 7962/13 e não poderá, por exemplo, exigir que o
arrependimento seja exercido ou noticiado apenas pessoalmente.
Como se nota, indiscutível a
existência de inúmeros desafios na interpretação do direito de arrependimento
que, em princípio, é absoluto. De toda forma, o equilíbrio, a boa-fé, a
harmonização das relações de consumo e a vedação ao enriquecimento indevido devem
estar presentes quando da aplicação e incidência de tal instituto, assim como as
Políticas de trocas e devoluções devem estar em consonância com tais princípios.
Fabíola Meira
Departamento: Relações de Consumo