DA INOVAÇÃO RECURSAL E O RISCO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ


Como é sabido, a Constituição Federal assegura o contraditório e ampla defesa. Para tanto, é indispensável que os litigantes, seja na petição inicial em se tratando de Autor, ou na defesa, em se tratando de Réu, tragam desde o ingresso na lide todos os argumentos e fatos necessários para corroborar com a alegação de existência ou não de um direito.

Isto porque, o juiz julgará a causa a partir do material fático apresentado pelas partes, na medida em que o juízo não poderá considerar fatos alheios aos existentes no processo.

Ainda, conforme se pode observar no artigo 128, do CPC “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito à lei exige a iniciativa da parte.” Caso isso não seja realizado e, uma das partes, leve fato ou documento novo quando da interposição de eventual recurso, salva exceção contida no artigo 1.014 do Código de Processo Civil, que prevê a existência de fatos novos relativos à matéria, ou, motivo de força maior que impedisse que a parte trouxesse aos autos o documento ou fato em instância originária, ocorrerá o fenômeno da inovação recursal que poderá prejudicar toda a estratégia processual.

Por inovação recursal, podemos entender que se trata de um evento em que a parte, em sede recursal, utiliza-se de argumentos não trazidos e/ou discutidos em primeira instância. Tal situação de fato, ofende, principalmente, os Princípios da Ampla Defesa, Contraditório e Duplo Grau de Jurisdição. A constatação da inovação recursal consubstancia supressão de grau de jurisdição, o que caracteriza afronta aos Princípios acima apontados.

Conforme preceitua o Ilustre Professor José Carlos Barbosa Moreira: “O sistema contrário, ou seja, o da permissão de inovar no procedimento da apelação, estimularia a deslealdade processual, porque propiciaria à parte que guardasse suas melhores provas e seus melhores argumentos para apresentá-los somente ao juízo recursal de segundo grau.”[1]

Este é o entendimento, inclusive, do Superior Tribunal de Justiça/STJ que apenas autoriza fatos novos em apelação se a parte comprovar motivo de força maior[2]sob pena da chamada preclusão[3].

Em ambas as decisões, o Relator é objetivo e enfático – caso a matéria não tenha sido arguida em instância originária, salvo se a parte comprovar que não podia fazê-lo por motivo de força maior, caracterizada estará a preclusão; a inovação recursal é vedada.

Por preclusão, trazemos o conhecimento dos Professores Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: "Uma vez praticado o ato, consome-se a possibilidade de emendá-lo dentro do prazo legal eventualmente ainda disponível.”[4]

Para evitar que tal problema ocorra, é indispensável que desde o início, advogados e clientes tenham plena convicção de que todos os argumentos, fatos e documentos tenham sido analisados. Ademais, poderá configurar litigância de má-fé estando a parte sujeita a multa que poderá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, conforme estabelecido no artigo 81 do CPC, em razão de proceder de forma temerária.

Nestes termos, a inovação recursal pode gerar prejuízos de monta ao cliente que perderá a oportunidade, muitas vezes, de discutir uma sentença por conta da ausência de técnica do advogado. Por outro lado, a leitura atenta das razões de apelação da parte contrária no momento da elaboração das contrarrazões e a verificação da inovação recursal pela parte contrária deverá ser levantada em preliminar de contrarrazões de apelação, de forma a impedir que o Tribunal analise e decida com base em argumentos, fatos e documentos não debatidos em 1ª Instância.

Ainda, no que concerne às contrarrazões de apelação, por conta da exclusão do Agravo Retido pelo CPC/2015, é indispensável que o advogado esteja atento a trazer, em sede de contrarrazões, toda a matéria que poderia ser objeto de agravo retido, também sob pena de preclusão, conforme estabelecido no artigo 1.009, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil vigente.

Sendo assim, conclui-se que, não obstante a importância da apreciação do mérito, é indispensável a revelação da verdade dos fatos pelo cliente para impedir prejuízos a estratégia processual, impedirmos a configuração de litigância de má-fé e para assegurarmos a realização de uma peça processual técnica, como forma de garantia de uma inicial bem instruída, bem como garantir que a defesa impugnará todos os fatos alegados pela parte contrária evitando alegações pela parte contrária de inovação recursal que impeçam o deslinde do feito de acordo com os princípios constitucionalmente assegurados.



[1] (José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil, 2017, n. 248, pp. 452/454)
[2].  (STJ - AgRg no ARESP: 626.648 – PR 2014/0297603-3, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 05/05/2015, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação DJe 19/05/2015).
[3]. (STJ - AgRg no AREsp: 363546 SP 2013/0205513-0, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 17/09/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/10/2013).
[4] (Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. São Paulo, 2016. p. 326.)

Dra. Nayara Teixeira Ferreira
Departamento: Relações de Consumo

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A aplicação da teoria de perda do tempo útil nas relações de consumo, os bens que sofrem desgaste natural pelo uso e o direito de reparar previsto no art. 18, CDC


O Direito enquanto balizador social tem buscado se amoldar as mais diversas situações quotidianas, visando tutelar as relações, o que tem resultado na subsequência de teorias e novos vieses interpretativos dos institutos legais vigentes.

Neste sentido, muito tem se discutido acerca do dever de ressarcir prejuízos decorrentes da “perda de tempo” ou “desvio produtivo”, que atualmente tem sido bastante debatido no meio jurídico e ganhando contornos e aplicações irrestritas. Para tanto, teceremos algumas considerações de forma a destacar alguns pontos que merecem reflexão antes que se invoque ou que se aplique a teoria.

Entretanto, considerando que a teoria da perda do tempo útil está calcada no instituto da responsabilidade civil extrapatrimonial, a aplicação dessa teoria nas relações de consumo depende da peculiaridade do caso concreto, especialmente quando relacionada a discussão do desvio produtivo do consumidor, pela necessidade de encaminhar para assistência, aguardar ajustes e negociar pagamento de reparos de bens sujeitos desgaste natural pelo uso, tais como máquinas, automóveis, utensílios, etc., sob risco de banalização do instituto da responsabilidade civil.

Isso porque, até mesmo no caso de vício de fabricação, o Código de Defesa do Consumidor concede aos fabricantes, ou seja, permite que os fabricantes reparem o produto que necessite de ajuste no prazo de 30 dias (art. 18, §1º, CDC), , bem como permite que em caso de reparos complexos esse prazo seja estendido em até 180 dias (art. 18, §2º, CDC).

Logo, se o próprio fabricante tem direito de reparar um produto com vício em determinado prazo concedido pelo próprio CDC, inexistindo qualquer ato ilícito quando da necessidade de ajustes de um produto, mesmo se decorrente de eventual vício/defeito fabril, é óbvio que uma empresa não poderá ser condenada a pagar indenização por este tempo de espera! No mais, se na hipótese de vício de fabricação a empresa tem o direito a reparar o bem, é certo que para outras situações não relacionadas a vício  (substituição por conta de desgaste natural, avarias relacionadas a sinistro, por uso indevido do bem, por falta de manutenção adequada, por expiração do prazo de garantia, etc.), não há se falar em aplicação da teoria do “desvio produtivo”, pois não há ilícito e a legislação consumerista sequer estipula prazo de reparo nessas situações.

Nesse sentido, a responsabilidade civil advém do dever de reparar os danos resultantes da prática de ato ilícito por algo ou alguém. Assim, se não há ato ilícito, inexiste o dever de reparar, logo, a tese é inaplicável. O mesmo ocorre se não há comprovação de dano efetivo, conforme estabelece o conceito de responsabilidade civil, independentemente de ser ou não objetiva.

Assim, a teoria de perda do tempo útil deve ser aplicada com cautela, pois a mera necessidade de realização de manutenções preventivas e/ou assistência em produtos ou o fato de o consumidor precisar aguardar um reparo decorrente de um sinistro não configura ilícito mesmo em caso de vício e/ou defeito de fabricação, se observada a razoabilidade do prazo de reparo, não havendo ,portanto, fundamento que justifique a aplicação da teoria.

Neste sentido, revela-se inadequado o enquadramento da teoria da perda de tempo útil quando a questão posta a análise do Poder Judiciário versar, sobre períodos de reparos de bens sujeitos à assistência técnica e até mesmo com vício, na medida em que o próprio Código de Defesa do Consumidor autoriza o reparo nos prazos assinalados no art. 18. Ainda, indubitável que determinados produtos estão sujeitos desgaste natural. Troca de peças, reparos e o fato de necessitar de assistência não pode levar ao recebimento de quantia pecuniária pela necessidade de aguardar o ajuste. O intuito da responsabilidade civil (mesmo objetiva que não se confunde com a integral) não foi criado para indenizar esperas cotidianas, já que aqueles que os adquire tem ciência de que poderão ser necessários e que a legislação vigente estabelece um lapso temporal adequado para a consecução dos serviços.

Por conseguinte, é deveras forçoso reconhecer a consubstanciação de dano, em razão da hipotética “perda do tempo útil” do consumidor, pelo fato de ter que dispor de seu tempo para encaminhar, aguardar ou negociar a necessidade ou não de manutenção e/ou o reparo de um bem,  quando, por exemplo, o próprio consumidor tinha inequívoca ciência que haveria o encargo de efetuar manutenções preventivas e reparos para o adequado e regular funcionamento do bem ao longo dos anos, sendo necessário que o Judiciário se atente a essas particularidades, sob pena de caracterizar enriquecimento indevido do consumidor, o que é expressamente vedado por lei, bem como banalizar a teoria que vem se desenvolvendo e, por consequência, violar o Princípio da harmonização e equilíbrio das relações de consumo, previsto na Política Nacional das Relações de consumo (art. 4º, CDC).
Por fim, é certo que a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor não deve ser vista como um manto que veda ou impossibilita que o consumidor possa simplesmente aguardar a solução de uma correção de um produto ou serviço ou,  que caso necessite enfrentar essa situação cotidiana, receba uma quantia monetária para indenização do tempo que precisou dispor, sob pena de desvio da ideia de proteção para um exacerbado e desequilibrado protecionismo, desvirtuando a normatização consumerista, que foi uma grande evolução jurídica e social.

Dra. Helena Ferreira Nunes Cury
Departamento: Relações de Consumo


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Comentários sobre a Medida Provisória nº 833/2018 – A necessidade de reequilíbrio contratual nas concessões de rodovias




Em meio à grave crise dos transportes rodoviários de cargas vivenciada pelo País na última semana, o Poder Executivo se viu diante de um motivo de urgência e relevância[1] para editar a Medida Provisória nº 833, publicada no Diário Oficial da União em 27 de maio de 2018, em resposta às reivindicações dos caminhoneiros grevistas, especialmente com relação à cobrança de pedágio sobre os eixos que forem mantidos suspensos durante a ausência de carga.

Nesse cenário, a MP 833/18 trouxe alterações ao artigo 17 e respectivos parágrafos da Lei Federal nº 13.103/2015 (Lei dos Motoristas), com o objetivo de estender às rodovias estaduais, distritais e municipais a isenção da cobrança tarifária já praticada nas rodovias federais, com relação aos eixos suspensos dos caminhões que circularem vazios.

Tal medida foi embasada no entendimento de que a circulação de veículos de transportes de cargas, em que os pesos por eixo se encontrem dentro dos limites legais, não implicam no desgaste excessivo do pavimento e dos demais elementos das rodovias, de modo a não reduzir a vida útil da estrutura, motivo pelo qual os caminhoneiros não deveriam arcar com o ressarcimento pelo desgaste prematuro do sistema rodoviário.

Ocorre que a estratégia adotada pelo governo, objetivando reduzir a instabilidade nas relações com o setor de transporte rodoviário de cargas, gerará uma distorção colateral grave, no que tange à perda de arrecadação pelas concessionárias de rodovias. Isto porque que, no momento da celebração dos contratos de concessão, as concessionárias contavam com projeções de demanda futura para chegar ao seu plano de negócios e ao deságio ofertado nas tarifas de pedágio no momento da licitação de cada lote rodoviário, ao passo que a alteração superveniente dos critérios inicialmente estabelecidos gerará uma queda de receitas e um desequilíbrio contratual acentuado.

Nota-se que a queda da arrecadação e o aumento da inflação, acabarão por implicar em desequilíbrio da equação econômico financeira dos contratos de concessão, gerando dificuldade em manter-se os níveis de serviços à que se obrigaram nos contratos.

Assim, com o advento da MP surge a necessidade de se buscar pelo reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro contratual, à medida que se torna indispensável à saúde das concessões a necessidade de se realizar a correção tarifária urgente e imediata.

Em outras palavras, a alteração dos critérios inicialmente estabelecidos como diretrizes contratuais, em decorrência da benesse concedida a uma das classes de usuários do sistema rodoviário, implicará na necessidade de se onerar os demais usuários, a fim de custear as atividades operacionais das concessionárias para se preservar o contrato de concessão.

Desse modo, em que pese a MP 833/18 ter sido editada sob o pretexto de redução de prejuízos sociais e econômicos, é possível vislumbrar que a estratégia adotada não trará benefícios à sociedade, mas tão somente à classe de caminhoneiros, ao passo que os encargos financeiros serão reonerados às demais classes de usuários da rodovia concessionada, quais sejam, ônibus, motocicletas e caminhões. Noutro giro há de se considerar que a manutenção de uma relação contratual desequilibrada poderá ensejar a devolução da concessão, o que implicará em um retrocesso social, aos tempos nefastos em que as estradas eram mantidas em condições de conservação precárias e sem oferecer as mínimas condições de segurança a seus usuários.

Por fim, após a edição do procedimento emergencial, a MP 833/18 deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, responsável pela rejeição ou pela conversão do ato provisório em lei, por meio de decreto legislativo, nos termos do supracitado dispositivo constitucional, respeitando-se o prazo de sessenta dias, prorrogável por igual período.



[1]Art. 62, CF/88. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.”



Dr. Fernando Martins
Departamento: Cível Estratégico


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FISCO MUNCIPAL NEGA CADASTRO DE EMPRESA EM COWORKING


O CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Munícipios) da Prefeitura Municipal de São Paulo, tem indeferido cadastros de empresas que utilizem endereço de coworking.

Os chamados coworkings são espaços de trabalho compartilhados, que têm endereço em prédios comerciais próprios ou não e contam com estações de trabalho coletivas.

Outra característica destes coworkings é a existência de uma simples inscrição para pagamento mensal pelas pessoas jurídicas ou civis que se utilizam do espaço, por conta do perfil de empresas que normalmente procuram este modelo de compartilhamento, em sua maioria, startups.

Estas empresas nascentes de base tecnológica, denominadas startups, têm modelos de negócio inovadores e precisam de escala e flexibilidade de atuação, por isso optam por estruturas contratuais menos enrijecidas e de fácil alteração.

Contudo, a lei municipal que disciplina o cadastramento de empresas na cidade de São Paulo não contempla este tipo inovador, porém atualmente corriqueiro, de modelo de negócios.

A PORTARIA SF Nº 101, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2005, disciplina os procedimentos de inscrição no cadastro das pessoas jurídicas que emitam nota fiscal autorizada por outro Município, para tomadores estabelecidos no Município de São Paulo, bem como, das pessoas jurídicas estabelecidas no Município de São Paulo quando tomarem os serviços.

A portaria datada de 2005, requer para o cadastramento das empresas, dentre outras exigências:

4. (...)
e) cópia do lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU do estabelecimento, referente ao exercício mais recente;
(...)
g) cópia do contrato de locação, se for o caso, com firma reconhecida dos signatários;
h) cópia das faturas de pelo menos 1 (um) telefone dos últimos 6 (seis) meses em que conste o endereço do estabelecimento;
i) cópia da última conta de energia elétrica em que conste o endereço do estabelecimento;
j) 3 (três) fotografias do estabelecimento, com o registro das seguintes imagens: as instalações internas, a fachada frontal e detalhe do número.

Considerando as exigências da regulação municipal e o modo de operação de um coworking, é evidente que a autoridade municipal procederá o indeferimento de um protocolo de cadastro de empresa que se encontre nesta situação.

Contudo, por ser um problema de ordem regulatória, é necessário observar a norma municipal pelo prisma de uma norma hierarquicamente superior, a fim de se validar ou constatar necessidade de alteração naquela primeira norma.

A Lei Complementar n.º 116 de 31 de julho de 2003, dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal e, por sua vez, regula que considera-se “estabelecimento prestador” o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

A Constituição Federal em seu artigo 170 também garante a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos.

Assim, a regulação do tema por parte do fisco municipal é incoerente, carece de melhorias e alterações a fim de acompanhar e fomentar os novos modelos de negócio que tanto têm contribuído para trazer inovação, como também com a própria arrecadação tributária dos municípios.

Dr. Rafael Gonçalves de Albuquerque
Departamento: BNZ for Startups


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PROGRAMA DE ESTÍMULOS À CONFORMIDADE TRIBUTÁRIA - “NOS CONFORMES”


Foi publicada em 06 de abril de 2018, a Lei Complementar Paulista n. 1.320 que instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária - “Nos Conformes”.

Recebida de forma positiva por especialistas da área, ela traz disposições louváveis a fim de não apenas diminuir o contencioso tributário do Estado de São Paulo, como também melhorar a relação entre o fisco e contribuinte.

Da leitura da exposição de motivos, nota-se a intenção do legislador em “estabelecer paradigma positivo e inovador de relacionamento entre o fisco e contribuinte, orientado a facilitar, colaborar e promover o adimplemento espontâneo das obrigações tributárias do ICMS”.

Entre os valores escolhidos como norteadores do Programa, foram privilegiados os princípios da: (i) simplicidade; (ii) segurança jurídica; (iii) transparência; (iv) concorrência leal e; (v) boa-fé e previsibilidade de condutas, visando garantir a confiança legítima entre o fisco e o contribuinte.

Entre os objetivos do “Nos Conformes”, se encontra a classificação dos contribuintes em categorias que possibilite à Secretaria da Fazenda do Estado concentrar maiores esforços na fiscalização dos devedores contumazes, os quais ficarão sujeitos a regime especial para cumprimento das obrigações tributárias. De igual modo, a nova Lei visa propiciar aos “bons pagadores” alguns benefícios, como acesso ao procedimento de Análise Fiscal Prévia. Por esse benefício, poderão ser realizados trabalhos analíticos ou de campo, pelos Agentes Fiscais de Rendas, sem objetivo de lavratura de auto de infração e imposição de multa.

A classificação adotada pela lei de conformidade tributária será de “A+” até “E”, e levará em consideração o grau de exposição a riscos de descumprimento das obrigações tributárias. Para tal classificação o Agente Fiscal de Rendas deverá considerar 3 critérios: (i) pagamento dos tributos declarados; (ii) consistência entre as notas fiscais emitidas e a escrituração declarada; e (iii) preferência por fornecedores que representem em sua maioria contribuintes com regularidade tributária.

Nesse sentido, o art. 5º da Lei dispõe que: “Para implementação do Programa ´Nos Conformes`, com base nos princípios, diretrizes e ações previstos nesta lei complementar, os contribuintes do ICMS - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação serão classificados de ofício, pela Secretaria da Fazenda, nas categorias “A+”, “A”, “B”, “C”, “E” e “NC” (Não classificados), sendo esta classificação competência privativa e indelegável dos Agentes Fiscais de Rendas: (...)”.

O programa já vem sendo colocado em prática pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, como, por exemplo, a campanha de credenciamento ao Domicílio Eletrônico do Contribuinte (DEC) que teve início no começo do mês de maio. O objetivo é conscientizar as empresas e seus representantes sobre a importância do uso desta ferramenta de orientação tributária. Conforme informações do site da SEFAZ, o DEC permite a que as empresas sejam avisadas sobre eventuais erros no cumprimento de determinadas obrigações tributárias ou de comportamento irregular, permitindo sua regularização espontânea, sem a necessidade de lavratura de auto de infração.

Ocorre que, não obstante a lei paulista busque dar maior efetividade à boa-fé e confiança nas relações entre fisco e contribuinte, é certo que essas normas e políticas de conformidade fiscal que privilegiem os “bons pagadores”, devem também respeitar os direitos fundamentais do contribuinte, de modo a evitar que esse tratamento distinto, reserve apenas aos bons pagadores o direito de todos a receber do estado serviços públicos eficientes.

Ainda que sejam inquestionáveis os pontos positivos da Lei Complementar n. 1.320/2018, o Poder Executivo ao exercer o poder regulamentar deverá ficar atento para que o propósito não se desvirtue e acabe resultando em aplicação de sanções políticas já rechaçadas pelo Supremo Tribunal Federal ao teor das Súmulas n. 70[1], 323[2] e 547[3].

A preocupação na regulamentação da lei, em especial quanto à amplitude dos poderes outorgados ao Poder Executivo, surge, e.g., nos parágrafos do art. 5º. Pelos seus enunciados alguns critérios de classificação serão estabelecidos na forma e condições do respectivo regulamento. Há, neste ponto, preocupação quanto aos limites do poder regulamentar e o respeito à tripartição de poderes, já que como muito bem exposto por Geraldo Ataliba, “Não tolera a nossa Constituição que o executivo exerça nenhum tipo de competência normativa inaugural, nem mesmo em matéria administrativa.”[4]

Ademais, é sempre bom lembrar a dificuldade das pequenas e médias empresas em suportar a carga tributária e os custos de conformidade existentes hoje no Brasil,  de sorte que o Programa de Estímulos à Conformidade Tributária poderá resultar, ao contrário do pretendido, em privilégios às grandes empresas , na medida em que na maioria das vezes serão os pequenos empresários os submetidos a regime especial mais severo e procedimentos mais burocráticos para cumprimento de suas obrigações tributárias.

A exemplo disso, o próprio critério de classificação dos contribuintes pela preferência por fornecedores que representem em sua maioria contribuintes com regularidade tributária, poderá fazer com que aqueles melhor classificados no programa optem em efetuar operações apenas com outros contribuintes bem classificados, e nesse sentido, por via reflexa e ao contrário do que proposto pelo programa “Nos Conformes”, a situação de desigualdade entre algumas empresas poderá se agravar.

Ainda que a finalidade seja a de diminuir o contencioso tributário, é certo que o Fisco já possui meios próprios de fiscalização e arrecadação de devedores contumazes. Logo, a criação de mais um regime especial para cumprimento das obrigações tributárias pode burocratizar mais do que simplificar a fiscalização[5].

Assim, representando um avanço na relação fisco-contribuinte, o Programa de Conformidade Tributária instituído pela Lei Complementar n. 1.320/2018 representa um incentivo aos contribuintes paulistas à manutenção da regularidade fiscal, ao passo que apenas serão considerados para fins de aplicação dos critérios de classificação, os fatos geradores ocorridos após a data de publicação da Lei, ou seja, 06 de abril de 2018.

No entanto, é preciso aguardar sua regulamentação para verificar na prática quais serão os objetivos e resultados obtidos. Sendo necessário cautela da Poder Regulamentar para que não surjam efeitos colaterais indesejados do Programa de Estímulos à Conformidade Tributária.


[1] É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
[2] É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos
[3] Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
[4] ATALIBA, Geraldo. Poder Regulamentar do Executivo.  Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional. Vol. 4, p. 461-492, maio/2011 – DRT\2012\1119.
[5] Não é a primeira vez que o Estado de São Paulo cria regime especial para cumprimento de obrigações tributárias, e neste sentido o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 529.106- AgR, sob relatoria da Ministra Relatora Ellen Gracie, entendeu que “o regime especial do ICMS, mesmo quando autorizado em lei, impõe limitações à atividade comercial do contribuinte, com violação aos princípios da liberdade de trabalho e de comércio e ao da livre concorrência, constituindo-se forma oblíqua de cobrança do tributo e, por conseguinte, execução política, repelida pela jurisprudência sumulada deste Supremo Tribunal Federal.”

Dra. Juliana Amaral
Departamento: Tributário

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Neymar, os Memes e a Publicidade



Primeiramente, meme é tudo aquilo que os utilizadores da Internet repetem.  Durante a Copa de 2018, são infinitos os memes de Neymar rolando no chão, em alusão às suas quedas em campo. Os vídeos viralizaram em todo o mundo, com montagens fictícias e bem humoradas. Tamanha a repercussão que Neymar causa nas redes sociais, fenômeno de marketing, o Jornal Inglês The Sun chama  Neymar de Ney-More. Controlar a publicação de memes por internautas nos quatro cantos do globo parece longe de cogitação, mas e quando uma grande empresa multinacional de fastfood decide transformar o meme de Neymar em anúncio publicitário, sem a autorização do próprio Neymar?

Na construção do anúncio muitos cuidados foram tomados, méritos para o anunciante.   Obviamente tomou-se o cuidado de não usar a imagem do próprio Neymar, que poderia ensejar indenização por uso indevido da imagem, dentre outras ações. No anúncio, o protagonista representa uma figura pública, seguido por câmeras e repórteres, que na passagem final demonstra simpatia com os paparazzi, isso ajuda e muito a  afastar qualquer interpretação ou argumentação negativa em relação ao denegrimento da imagem do personagem.   O anunciante usou atores na África do Sul que
usam uniformes vermelhos, assim evitam infrações à própria CBF.

Naquele país, a entidade que revisa a publicidade se chama Advertising Standards Authority  (“ASA”) . Considerando a regulamentação e precedentes do ASA, o fato de o anúncio ser ofensivo a alguém por si só não é suficiente para sustação, deve ser analisado o contexto, a audiência, a reação do público (“public sensitivity”), e o respeito à dignidade humana. Tudo isso nos leva a acreditar que o anúncio seria validado em eventual disputa na África do Sul.

Girando para o Brasil, aqui é o CONAR a entidade que concentra as discussões sobre os anúncios publicitários, dada a sua rapidez e especialização no tema em comparação ao Poder Judiciário. Analisando a regulamentação do Conar, parece que o denegrimento da imagem do jogador seria o principal argumento contra o anúncio.  Lembro de julgamento icônico do Conar em 2011 sobre determinada publicidade  da Bombril com a atriz Marisa Orth, cerca  de 400 queixas de consumidores contra o conteúdo jocoso do anúncio em relação aos homens. Naquele caso, julgamento histórico no Conar, o anúncio foi considerado com evidente  tom de humor na sua criação publicitária, forma pacífica de manifestação, comunicação impossível de ser calada dado o seu contexto.  É de se imaginar um posicionamento semelhante do Conar no Brasil em eventual questionamento do anúncio que reflete os memes de Neymar, com consequente validação do anúncio e arquivamento da representação.

Sendo assim, é de se esperar que o anúncio continue a ser veiculado de acordo com a vontade e estratégia do anunciante, independente da reação do próprio Neymar.

Confira o anúncio:



Dr. Marcelo Galante – Sócio do Braga Nascimento & Zílio Advogados, ex Conselheiro do Conar,  ex Global Legal Director da Colgate-Palmolive, Graduado e Pós-Graduado pela PUC-SP e University of Delaware. 


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CONVIVÊNCIA FAMILIAR – DIREITO DOS NETOS E DOS AVÓS


A convivência familiar entre pais e seus filhos sempre foi garantida legalmente.

A partir de 2011, com a força da doutrina e da jurisprudência, os avós também tiveram seus direitos dispostos legalmente pela Lei 12.398/2011.

A referida lei alterou o Código Civil (parágrafo único do artigo 1589) e o Código de Processo Civil (inciso VII do artigo 888), para estender aos avós o direito de visita aos netos dada a importância dessa convivência.

A Constituição Federal (artigo 227), o Estauto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90), além dos citados Código Civil e de Processo Civil, resguardam o direito dos avós e da criança à convivência familiar, que deve privilegiar o bem-estar e o melhor interesse do menor sempre.
A convivência entre avós e netos tende a fazer bem à saúde de todos os envolvidos, refletindo no desenvolvimento psicológico, social e cultural da criança e também numa renovação da vida dos avós.

Portanto, podemos dizer que a convivência familiar é legal. Legal, pois faz bem aos avós e aos netos e legal, por ser garantida por nossa legislação.

Entretanto, por incrível que pareça, existem muitos casos de impedimento, afastamento e convivência prejudicada por questões de mágoas, inimizades, relações mal resolvidas, entre outras coisas, seja entre avós e seus próprios filhos ou nora, genro e os sogros.

De todo modo, uma coisa é certa: filho não é propriedade dos pais, a convivência com os avós é muito importante e a decisão dos pais não prevalecerá, sem justo motivo.

Assim sendo, caso haja alguma dificuldade no convívio ou até mesmo seu impedimento, sem chances de serem resolvidos com o diálogo, os avós podem procurar o Poder Judiciário, por meio do ajuizamento da ação de regulamentação de visitas, inclusive com pedido liminar numa tutela de urgência, dependendo do caso. Afinal de contas, esse tipo de processo pode demorar a ter uma sentença, já que uma das etapas pode ser o estudo psicossocial.

Aliás, o estudo psicossocial irá estudar as partes, assim como a criança, e apurar todas as alegações e benefícios que o menor terá com a convivência pleiteada pelos avós.

Caso não haja nada que prejudique o bem-estar da criança, as regras de visitação serão estabelecidas.
É importante lembrar que, mesmo com determinação judicial, caso persistam as atitudes pelo afastamento da criança dos avós, pode ser requerida e aplicada pena de multa e até mesmo a configuração de alienação parental.

É óbvio que, em qualquer situação, há necessidade da análise das circunstâncias e, especialmente, na área do direito de família, qualquer peculiaridade fará diferença no Poder Judiciário. Logo, consulte sempre um advogado para maiores esclarecimentos.

Salientamos que, em qualquer caso, sempre deve ser considerado o melhor para o interesse da criança e que sempre temos que ter em mente que o quê mais importa quando tratamos de relações familiares é o afeto, o diálogo com bom senso e o respeito.

Dra. Ligia Bertaggia de Almeida Costa
Departamento: Família e Sucessões / Indenizatórias

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