ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LC 157/2016. AS MUDANÇAS RELATIVAS AO LOCAL DA INCIDÊNCIA DO ISS NO MUNICÍPIO DO TOMADOR DE SERVIÇO



A lei complementar que veicula normas gerais a respeito do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (LC n. 116/2003) foi recentemente alterada pela Lei Complementar n. 157/2016 (LC n. 157/16). Dentre as alterações promovidas, destaca-se aquela prevista em seu artigo 1º.

De acordo com as mudanças introduzidas, os planos de saúde, planos de atendimento e assistência médico-veterinária, administradoras de consórcios e de cartão de crédito ou débito, serviço de agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring) e arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados, o ISS será devido ao município onde estiver localizado o tomador de serviço e não mais no município onde estiver localizado o estabelecimento prestador.

Inconformadas com a alteração, algumas entidades ajuizaram Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), bem como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), para que o Supremo Tribunal Federal declare inconstitucional o artigo 1º da LC n. 157/16, na parte em que modificou o artigo 3º da lei que dispõe sobre o ISS.

No dia 23.03.2016, o Ministro Relator das ADI’s Alexandre de Moraes, suspendeu a nova regra de recolhimento do ISS, sob o argumento, em síntese, de que a alteração poderá ampliar os conflitos de competência, enfraquecer o princípio da segurança jurídica e, por fim, por afronta ao artigo 146 da Constituição Federal.

Em que pese corroborarmos com as razões explicitadas pelo Relator, alguns pontos merecem atenção.

Como se sabe, em dezembro de 2016, os dispositivos que estabeleciam a nova regra quanto à tributação do ISS foram vetados pelo Presidente da República, sob o argumento de que a mudança geraria aumento de custos para as empresas, que seriam, ao final, repassados ao consumidor.

Contudo, em maio de 2017, o Congresso Nacional derrubou o veto do Presidente.

Nesse sentido, não se pode ignorar dois pontos relevantes: (i) mesmo com o veto presidencial, o Congresso manteve a alteração; (ii) com o advento da LC n. 157/16, o aspecto espacial possível do imposto, que por tanto tempo causou polêmica, foi alterado.

É notório que os grandes prestadores de serviços normalmente estão localizados nas principais capitais e municípios de grande porte, de sorte que somente estes recebem os valores arrecadados pelo ISS devido pelas prestadoras. 

Assim, o objetivo do legislador complementar, ao alterar a sujeição ativa, dos grandes centros urbanos onde os prestadores geralmente se encontram situados, para o local de estabelecimento dos tomadores, é justamente repartir as receitas de forma mais igualitária e proporcional possível, conferindo maior parcela aos municípios de menor porte.

Ademais, a mudança no local de arrecadação do imposto pode ser considerada um alívio aos cofres municipais, na medida em que altos valores serão redistribuídos para os mais de 5.000 municípios.

Em contrapartida, com a alteração, situações nem tão razoáveis podem surgir. Nos casos das administradoras de cartão de crédito ou débito, por exemplo, em que as máquinas de cartão normalmente se encontram em estabelecimentos comerciais, as atividades necessárias para autorização, processamento e cobrança da transação são realizadas pelos estabelecimentos dos agentes financeiros e não pelo estabelecimento comercial. Nesse sentido, não parece cabível a cobrança do ISS no município em que somente ocorre o uso da máquina de cartão, e, portanto, não se encontram presentes os elementos característicos da prestação de serviços para fins de ISS.

Com base no exemplo acima, se admitida a tributação no município do tomador de serviço, ratificamos o entendimento do Ministro Alexandre de Moraes no sentido de que haverá a necessidade de conceituar com clareza o conceito de “tomador de serviço”. Caso contrário, poderá ocorrer a “incorreta incidência tributária” e consequente “insegurança jurídica”.

Por fim, é indiscutível que a alteração representa uma vitória importante dos municípios. Apesar disso, não se pode dar a discussão como encerrada, considerando a necessidade de análise pelo Supremo Tribunal Federal sobre eventual inconstitucionalidade do dispositivo.

Dra. Thais Cristina Minelli Peloi
Departamento: Tributário

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Lei Maria da Penha, uma conquista civilizatória


A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi publicada em agosto de 2006, após a ocorrência de um caso judicial emblemático, sendo também fruto de um conflito social que permeou a história do Brasil.

Em um relato sucinto do caso judicial que ensejou à elaboração da lei, em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de um tiro de arma de fogo enquanto dormia, desferido por seu marido Marco Antônio Heredia Viveiros, colombiano naturalizado e professor universitário. O disparo atingiu-a pelas costas, tornando-a permanentemente paraplégica. Nesta ocasião, o agressor, em sua defesa, alegou que ladrões teriam adentrado a residência do casal e baleado sua esposa.

Após cerca de quatro meses de internação hospitalar, ela retornou à sua residência e se tornou vítima de uma segunda tentativa de homicídio praticada por Marco Antônio, consistente em uma tentativa de eletrocussão durante o banho.

Em 1984, Maria da Penha ingressou com medidas judiciais, conseguindo autorização para deixar sua casa, junto com suas três filhas. Em 1991, oito anos após o crime, foi realizado o primeiro julgamento do caso, quando Marco Antônio foi condenado a 15 anos de prisão pelo tribunal do Júri. 

Nesta ocasião, entretanto, sua defesa apresentou recurso de apelação contra a decisão do júri extemporaneamente, afirmando que haveria vícios na formulação dos quesitos de votação aos jurados. Paralelamente, o réu não foi preso preventivamente. Três anos depois, em 1995, o Tribunal de Justiça, na decisão sobre o recurso de apelação, acolheu a alegação defensiva e anulou a decisão do Júri.

No ano seguinte, foi realizado o segundo julgamento pelo Júri, em que Marco Antônio foi condenado a dez anos e seis meses de prisão. Entretanto, novamente, a defesa ingressou com recurso de apelação extemporâneo, alegando que o julgamento se deu em contrariedade com as provas dos autos e logrou êxito, mais uma vez, em evitar a prisão provisória do réu.

Então, em 1997, Maria da Penha, por meio das ONGs CEJIL (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional) e CLADEM (Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher), ofereceu denúncia à OEA – Organização dos Estados Americanos contra o Brasil, pelo descaso com que a violência contra a mulher vinha sendo tratada no país. Não obstante o país fosse signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) e da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, violava reiteradamente diversos dispositivos de ambas as convenções.

Após 17 anos sem proferir uma sentença definitiva, o Brasil foi, então, condenado em 2001 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violar os artigo 1º, 8º e 25º da Convenção Americana de Direitos Humanos, que tratam, respectivamente, da obrigação do Estado em respeitar e garantir o livre exercício dos direitos de seus cidadãos, sem qualquer tipo de discriminação; das garantias judiciais; e da obrigação estatal em oferecer proteção judicial, garantindo à toda pessoa um meio de acesso simples e rápido ao Poder Judiciário a fim de obter proteção contra atos que violem seus direitos fundamentais. Além disso, a Corte menciona também a violação ao artigo 7º da Convenção de Belém do Pará, que impõe a obrigação ao Estado de despender esforços para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

Em sua decisão, a Comissão consignou que: “(...) as decisões judiciais internas neste caso apresentam uma ineficácia, negligência ou omissão por parte das autoridades judiciais brasileira e uma demora injustificada no julgamento de um acusado, bem como põem em risco definitivo a possibilidade de punir o acusado e indenizar a vítima, pela possível prescrição do delito.”[1]

Afirmou, ademais, que a falta de julgamento do agressor de Maria da Penha constituiria verdadeira tolerância por parte do Estado com relação à violência sofrida pela vítima, agravando ainda mais seus danos. Neste cenário, a tolerância à violência contra a mulher não seria um evento casuístico, mas, sim, uma pauta sistemática. “Trata-se de uma tolerância de todo o sistema, que não faz senão perpetuar as raízes e fatores psicológicos, sociais e históricos que mantêm e alimentam a violência contra a mulher” [2] afirmou.

Considerando que a violação contra Maria da Penha seria parte de um padrão geral de negligência e falta de efetividade do Estado, a Comissão decidiu que o Brasil violara os deveres de processar, condenar e de prevenir esta violência degradante. “Essa falta de efetividade judicial geral e discriminatória cria o ambiente propício à violência doméstica, não havendo evidência socialmente percebida da vontade e efetividade do Estado como representante da sociedade, para punir esses atos.”[3]

Desta forma, foi elaborada uma série de recomendações ao Estado brasileiro, listando medidas a serem adotadas para intensificar o processo de reforma sistêmica. Dentre elas, podemos citar: a adoção de medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados; a simplificação de procedimentos judiciais penais para que seja acelerado o tempo de tramitação dos casos; o estabelecimento de formas eficazes, alternativas às judiciais, de solução de conflitos intrafamiliares; a inclusão nos planos pedagógicos de pautas destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos.

Ante a ausência de resposta do Estado brasileiro, a Comissão decidiu reiterar as conclusões e recomendações e tornar público o relatório elaborado e incluí-lo em seu Relatório Anual à Assembleia Geral da OEA.  A partir disso, em 2002, Marco Antônio Heredia Viveiros foi preso, dando início ao cumprimento de sua pena 19 anos após ao cometimento do crime e apenas 6 meses antes da ocorrência da prescrição punitiva.

Posteriormente, em 07 de agosto de 2006, foi elaborada a Lei 11.340, que foi nomeada de “Lei Maria da Penha” em homenagem à vítima do caso judicial que ensejou sua elaboração. Esta Lei criou mecanismos judicialmente inovadores para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, buscando efetivar direitos previstos nas convenções internacionais de direitos humanos já mencionadas, além de visar a efetivação concreta de dispositivos previstos na própria Constituição da República, a exemplo dos arts. 3º e 226, § 8º.

A partir deste diploma normativo, foram criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, de forma que os casos desta natureza passaram a tramitar em varas especializadas para a sua melhor solução. Além disso, foram positivadas diretrizes para a atuação da polícia neste tipo de crime, estabelecendo parâmetros de especial proteção à vítima; bem como obrigações ao Poder Público de criar programas e implementar medidas para reduzir a violência contra a mulher, tais como a realização de campanhas educativas, a criação de instituições e a capacitação de profissionais para atendimento e tratamento das vítimas.

Ademais, a Lei conceitua a violência doméstica como um fenômeno multifacetado, que abrange a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Modificou também dispositivos do Código de Processo Penal e do Código Penal, impossibilitando o tratamento da violência doméstica como “crime de menor potencial ofensivo”, submetido ao rito sumaríssimo. 

Por fim, consagrou legalmente as medidas protetivas de urgência, por meio das quais a vítima pode requisitar ao juiz proteção antes que a situação a que se encontra submetida chegue a níveis alarmantes. Estas medidas protetivas podem ser dirigidas ao agressor ou à vítima. 

Dentre aquelas dirigidas ao agressor estão a possibilidade de suspensão da posse ou restrição do porte de armas; o afastamento do lar ou determinados locais de convivência com a ofendida; a proibição de aproximação ou contato, por qualquer meio, com a ofendida, seus familiares e testemunhas; a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; a prestação de alimentos provisórios. 

Dentre as medidas dirigidas à vítima estão a possibilidade de encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa especial de proteção e atendimento; de determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; de determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; de determinar a separação de corpos. 

A Lei Maria da Penha representou, sem dúvida, uma enorme conquista civilizatória da sociedade frente ao descaso com que a violência doméstica era tratada no país e as inúmeras situações degradantes as quais muitas pessoas, no âmbito de suas relações familiares, em sua maioria mulheres, eram expostas. Entretanto, não restam dúvidas de que muitos dispositivos estabelecidos na Lei ainda permanecem inaplicados e que as vítimas de violência doméstica ainda enfrentam inúmeras dificuldades na tentativa de obtenção de proteção estatal. 

A Lei Maria da Penha foi um primeiro passo na longa caminhada que o país precisa percorrer para erradicar a violência doméstica e garantir a proteção dos Direitos Humanos de todos os seus cidadãos, sem qualquer forma de discriminação.  



Estagiária - Trainee: Mariana Murad Leiva

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A INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE BENS DIGITAIS


Recentemente, foi publicado o Convênio 106/2017, que traz as regras gerais para a cobrança do ICMS nas operações com os chamados “bens digitais” concretizadas por meio de transferência eletrônica de dados, após o conflito se instaurar entre Estados e Municípios para tributar os negócios da economia digital.

O recolhimento do imposto começa a partir de 1º de abril para os Estados de destino das mercadorias, afetando assim, os proprietários de sites e plataformas digitais que comercializam softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos e arquivos eletrônicos

Essa questão vai gerar intensos debates, uma vez que o texto trata de forma generalizada a definição de bens e mercadorias digitais e entra em conflito com a lei complementar federal nº 157/2016, que determina a incidência de ISS sobre serviços de streaming, gerando assim, uma enxurrada de ações judiciais contra o Decreto paulista nº 63.099 de 22 de Dezembro de 2017, que já alcançou o Supremo Tribunal Federal. A Confederação Nacional de Serviços é autora de uma ação direta de inconstitucionalidade (5.576) contra o Estado de São Paulo.

A supervisora fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), Tatiana Martines, afirma que a cobrança tem o respaldo da Lei Kandir (n° 8796), da Lei nº 6.374 e do Supremo Tribunal Federal. “Desde 1998, a Corte considera como mercadoria o software de prateleira”, diz.

O problema é que sobre um mesmo serviço ou produto não podem incidir dois impostos diferentes. Ou seja, não se pode cobrar ICMS e ISS ao mesmo tempo de um mesmo bem, mercadoria ou serviço digital.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Empresas de Softwares (Abes), Francisco Camargo, a cobrança instituída por São Paulo, deve aumentar o preço do produto ao consumidor final e causar distorções no mercado, como a eliminação de distribuidores da cadeia produtiva. "A revenda vai preferir comprar direto do fabricante", afirma

Outro ponto polêmico, é que o decreto estadual n° 63.099, define que o ICMS deve ser recolhido pelo estado onde reside o consumidor final, seguindo o que havia sido decidido na referida resolução do Confaz.

Especialistas advertem, contudo, que isso exigirá das empresas um complexo trabalho fiscal e contábil de recolhimento de ICMS em todos os estados onde possuem assinantes, o que seria demasiadamente custoso e inviabilizaria a operação nacional de companhias de menor porte.

A prefeitura do Município de São Paulo, antigamente, havia orientado os fiscais para que deixassem de cobrar o ISS, quando se tratava de software de prateleira, que é vendido em massa. Tal atitude, se baseava-se em decisão do Supremo Tribunal Federal, que a incidência do ICMS sobre programas digitais reproduzidos em massa, é legítimo, por ser constituído como mercadoria.

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou o pagamento de ICMS sobre software que foi adquirido por meio de download. A companhia queria reverter a sentença que rejeitou o Mandado de Segurança para afastar o recolhimento do ICMS sobre bens digitais.

Assim sendo, os Convênios 106/2017 e 181/2015, violam uma série de dispositivos constitucionais e legais, razão pela qual sua invalidade é evidente, independentemente da possibilidade do ICMS incidir sobre operações com bens digitais. A falta de Resolução definitiva, gera esse tipo de debate e disputa, uma vez que ninguém sabe responder se software é um serviço ou produto.

Agora, essa discussão da tributação sobre programas digitais deve voltar à tona no judiciário, devendo ser revistos os contratos, esclarecendo assim, quais atividades se enquadram como serviço, assim como a cessão de licença para uso do software de prateleira.

Dr. Marcos Paulo Baracioli Monteiro
Departamento: Tributário


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Ainda sobre o reparo de vício no produto – A opção do consumidor



Em sede de Recurso Especial (nº1.634.851/RJ) julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça[1], esta manteve o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[2] desfavorável à Via Varejo, empresa responsável pela administração de duas importantes varejistas brasileiras: Casas Bahia e Ponto Frio. 

Referida decisão entendeu que a Via Varejo deve receber diretamente os produtos que apresentem vícios adquiridos em suas lojas, desde que solicitado pelo consumidor no prazo de trinta e noventa dias, em se tratando de produtos não duráveis e duráveis, respectivamente, e encaminhar para reparo no prazo legal.

Trata-se de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra a prática adotada pela loja de inserir um carimbo no verso da nota fiscal dos produtos prevendo o prazo de três dias úteis para que o consumidor possa reclamar diretamente à loja qualquer vício, recusando-se a recebê-los após o período e encaminhando os clientes para a assistência técnica.

Habitualmente, em caso de constatação de vício no produto, as lojas ao ser procuradas por um consumidor, indicam assistência técnica do fabricante para reparo do problema. O entendimento anterior era no sentido de que a indicação de assistência técnica especializada no mesmo município do comerciante, afastava a imposição da obrigação de o comerciante intermediar o relacionamento entre o consumidor e o fabricante[3].

Ocorre que decisões como a do REsp 1.634.851/RJ indicam uma reflexão na forma de interpretação do CDC acerca da responsabilidade dos comerciantes, conforme o entendimento da 3ª Turma do STJ, que visando soluções mais rápidas e eficientes entendeu que o consumidor tem o direito de optar pela alternativa que entender mais viável para solução de um vício de produto, podendo levar, em trinta dias se tratando de produtos não duráveis e noventa dias para produtos duráveis, o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante, não cabendo tal escolha ao fornecedor.

Nesse sentido, de acordo com a decisão, o comerciante terá obrigação de receber o produto, em até trinta dias se não durável e noventa dias se durável, e adotar os mecanismos para devolver o produto reparado ao consumidor no prazo legal.

Portanto, os comerciantes devem se atentar ao decidido pelo STJ, sob pena de informações contidas em nota fiscal contendo prazo diversos serem interpretadas como abusivas. Além disso, o comerciante deve estar atento aos prazos previstos no art. 18, CDC, na medida em que geralmente inexiste logística reversa para envio de produtos do consumidor diretamente ao fabricante, o que fatalmente influenciará no prazo para efetiva solução do vício.

Dessa forma, a necessidade de intermediação do serviço de reparo pelo comerciante, lhe trará o ônus de encaminhar o produto para conserto junto ao fabricante ou assistência técnica e posteriormente devolver o produto devidamente reparado ao consumidor.

No entanto, para garantir o direito do consumidor e justificar a atribuição de escolha a quem entregar o produto para reparo, se faz necessário o estabelecimento de um fluxo operacional para que o comerciante possa realizar a intermediação com o fabricante.

Desse modo, esse novo entendimento do STJ, que determina maior participação ativa do comerciante na relação entre consumidor e fabricante demandará um pós-vendas preparado para atender adequadamente o cliente, razão pela qual, todas as áreas internas, principalmente o SAC devem ser orientadas para que compreendam a extensão do novo entendimento jurisprudencial evitando negativas de recebimento do produto baseadas nas antigas práticas.




[1] RESP 1.634.851/RJ, julgado em 12/9/2017 – acórdão disponibilizado em 15/02/2018.
[2] Ação Civil Pública nº. 0003099-19.2013.8.19.0001
[3] Decisão do Ministro Marco Aurélio Bellizze - REsp 1.411.136 - RS


Dr. Rafael Mathias Bertoldo
Departamento: Relações de Consumo


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Vantagens e cautelas no uso de Debêntures para captação de recursos


A emissão de debêntures é um importante mecanismo de captação de recursos para uma sociedade. Previsto no Art. 56 e seguintes da Lei n. 6.404/1976, esse instrumento consiste na emissão, por uma sociedade, de seus títulos de dívida, os quais são ofertados aos seus sócios ou a terceiros investidores.

Desta forma, a sociedade recebe um empréstimo do seu investidor, o qual, por sua vez, garante um direito de crédito contra a sociedade.

Seja qual a razão negocial que leve a sociedade a emitir debêntures, o escopo do uso deste mecanismo é obter recursos junto a terceiros em melhores condições do que às de outros investimentos obtidos no mercado financeiro.

Este mecanismo é caracterizado pela flexibilidade na pactuação das condições de garantia, vencimento, conversibilidade em ações e de remuneração, permitindo, assim, que a sociedade estruture a operação de acordo com sua necessidade de recursos.

Para o investidor, a atratividade deste tipo de investimento reside em ser sua rentabilidade usualmente superior em relação aos demais investimentos disponíveis no mercado. O principal risco se concentra no grau de inadimplência da sociedade.

Em contrapartida à injeção de capital na sociedade, o investidor recebe um pagamento, que, segundo a lei societária, pode ser: pagamento de juros, fixos ou variáveis, participação no lucro da sociedade e prêmio de reembolso.

O presente artigo atenta-se à remuneração do investimento por meio de participação no lucro da sociedade, uma vez que sociedades já tiveram a legalidade de suas emissões de debêntures questionadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) por supostamente desviarem da essência do instituto com intuito de economia fiscal.

Empresários notaram que a emissão de debêntures é uma interessante forma de criar remuneração adicional aos sócios, uma vez que o pagamento das debêntures é lançado a débito da conta de provisão de debêntures, sendo despesa financeira da sociedade e, portanto, uma despesa dedutível para fins tributários.

Em outras palavras, passou-se a usar o mecanismo de emissão de debêntures como artifício para retirar parte significativa do lucro da sociedade da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro diminuindo, assim, o montante de tributo arrecadado pelo Fisco.
 
Entretanto, o uso abusivo das debêntures de participação nos lucros acabou despertando a atenção do Fisco, que passou a buscar sinais de irregularidade nas operações das sociedades. Um exemplo recente de questionamento feito pelo Fisco ocorreu no Processo nº 3899.001314/2006-16, no qual a legalidade da emissão de debêntures para sócios da sociedade foi descaracterizada, pois presente o desvirtuamento do mecanismo por não ter havido captação de novos recursos para a sociedade, o que, cumpre ressaltar, é a essência da debênture.

No caso específico, a integralização das debêntures foi realizada mediante compensação de créditos dos acionistas e sua remuneração era de até 70% dos lucros da sociedade, o que dificilmente seria aplicado para investidores não sócios.

Logo, a emissão de debêntures, nessas condições, não atendia aos critérios de necessidade, usualidade e normalidade que o uso deste mecanismo deve respeitar.

É importante ressaltar que, tratando-se de debêntures de participação, a fim de reduzir as chances de questionamentos do Fisco é fundamental considerar certos aspectos da operação: (a) as remunerações das debêntures de participação não devem ser feitas de forma atípica, ou seja, fora dos padrões usuais do mercado, como ocorreu no caso das debêntures de participação demonstrada no Acórdão do CARF nº 1102-00.659, no qual esse aspecto foi um dos questionados pelo Fisco (ainda que posteriormente tenham sido parcialmente consideradas despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ); e (b) é recomendável que as debêntures de participação não sejam subscritas exclusivamente por sócios.

Por fim, cumpre esclarecer que a emissão de debêntures é dotada de legalidade e pode ser estratégia interessante para a sociedade, desde que não usada com o intuito disfarçado de distribuição de lucros aos sócios, o que poderia levar à autuação da sociedade por fraude ao Fisco.

Isso porque, em caso de autuação fiscal e instauração de processo, a sociedade, além de pagar os impostos devidos, poderia ser condenada ao pagamento de multa em valor expressivo, o que frustraria a tentativa de economia no tocante ao pagamento de tributos.

Dra Luísa de Oliveira Carvalho Crosta
 


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