A Constituição Federal
Brasileira, prevê como uma de suas cláusulas pétreas o princípio do livre
acesso à justiça, conforme garantido no artigo 5º, XXXV.
A facilitação ao acesso à
justiça é direito de todo cidadão em um Estado Democrático de Direito, e todo
ato que visar obstar ou dificultar o direito de ação ou da defesa, poderá ser
considerado como ofensa ao princípio do livre acesso à justiça.
Contudo, o Processo Civil
possui diretrizes básicas e requisitos mínimos
para o ingresso de ação, tais como os pressupostos
processuais para o regular
desenvolvimento do processo, sendo que a ausência destes poderá
ensejar o a extinção da ação sem resolução do mérito, nos termos do 485, inciso
IV, do Código de Processo Civil que, conforme o princípio constitucional do
devido processo legal, não podem ser considerados como limitações ao acesso à
justiça, pois o mínimo que se espera na relação processual é que sejam observadas
e obedecidas as formalidades processuais.
Ademais, o Código de
Processo Civil, procurando inovar na busca por soluções amigáveis do conflito, em
seu artigo 3º, além de reproduzir didaticamente em seu caput o princípio ao acesso à justiça, também trouxe em seus
parágrafos, técnicas de soluções consensuais, tais como conciliação, mediação e
arbitragem.
O intuito de prever
técnicas de soluções pacíficas de conflito visa diminuir a morosidade do
sistema judiciário, garantindo ao jurisdicionado, a obtenção da solução
integral e satisfativa, em prazo razoável, nos termos do art. 4º, CPC.
Nota-se que o Código de
Processo Civil, embora mantenha a inafastabilidade da jurisdição, prevê métodos
alternativos de resoluções de conflito, justamente para garantir maior fluidez ao
sistema judiciário, tendo em vista a sobrecarga de processos que poderiam ser evitados
e/ou solucionados sem a necessidade de intervenção do judiciário. Assim,
vislumbra-se que até mesmo para o desenvolvimento regular do processo, a
tentativa de solução prévia ao litígio judicial pode ser considerada um pressuposto
processual.
Nestes termos, em atenção
aos princípios e normas acima destacados, alguns Juízos e Tribunais de Justiça
do País, já determinam que, no mínimo, a parte autora demonstre que a prévia tentativa
de solução do conflito por meios extrajudiciais, como um dos pressupostos
processuais para o desenvolvimento regular do processo, para efetiva
admissibilidade da ação, sob pena de extinção do processo, nos termos do artigo
485, inciso IV, do Código de Processo Civil.
Em decisão proferida na
Comarca de Nova Andradina/MS, foi prolatada decisão que entendeu pela
necessidade de o consumidor utilizar a ferramenta gratuita do “consumidor.gov”[1], ocasião em que o Juiz
determinou a suspensão do processo pelo prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de
extinção por ausência de interesse de agir[2]. Vale citarmos:
“(...) Com fito de
garantir a efetividade a tal comando, impõe-se o uso da ferramenta gratuita
“concumidor.gov” (sítio hospedado em domínio do Governo Federal pelo Ministério
da Justiça), que consiste em um “novo serviço público para solução alternativa
de conflitos de consumo por meio da internet, que permite a interlocução direta
entre consumidores e empresas, fornece ao Estado informações essenciais à
elaboração e implementação de políticas públicas de defesa dos consumidores e
incentiva a competividade no mercado pela melhoria da qualidade do atendimento
do consumidor. (....) É imperioso ressaltar que tal imposição não se
caracteriza como obstáculo ao princípio ao acesso a justiça. Pelo contrário.
Trata-se de um método que prestigia a doutrina conciliatória, privilegiada pelo
Novo Código de Processo Civil e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
evitando-se o ajuizamento de ações (é notável p número de acordos realizados
via “internet”) e, consequentemente, reduzindo custos e desafogando o Poder
Judiciário, que, estreme de dúvidas, em caso de insucesso na via
administrativa, poderá ser normalmente provocado. Os próprios Tribunais de
Superposição, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal
(STF), já caminham no sentido de exigirem a demonstração da pretensão resistida
(que não se confunde com o exaurimento das vias administrativas), sem que isso
gere qualquer incompatibilidade com o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
É o que se vê no REsp 1349453/MS e no RE 631240. (...) Isto posto, nos
termos da fundamentação retro e privilegiando-se as formas alternativas de
resolução de conflitos, suspendo o processo, pelo prazo de 30 (trinta) dias, a
fim de que a parte autora promova a exposição dos fatos narrados na petição
inicial e o registro de seus pedidos em relação a parte ré por meio da
ferramenta gratuita “consumidor.gov”, sob pena de extinção por ausência de
interesse de agir. Consigne-se que em caso de insucesso na via administrativa,
a parte autora deverá trazer aos autos todos os comprovantes oriundos do sítio
eletrônico “consumidor.gov”, como forma de comprovar a tentativa de
conciliação”
Nesse diapasão, é também
o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[3]:
“É
de se manter, portanto, a decisão da origem, que determinou a suspensão do
feito pelo prazo de 30 dias para que a parte demonstre ter tentado resolver a
questão administrativamente.”
Observa-se que não se
nega o direito de acesso à justiça, mas, sim, incentiva-se os meios
alternativos de solução de conflito, com o intuito de dar maior celeridade ao
sistema judiciário e fomentar a desjudicialização.
Logo, nota-se que o
Judiciário está atento à necessidade de que o consumidor demonstre alguma
resistência dos fornecedores de produtos e serviços em solucionar a questão por
meios amigáveis como forma de demonstração do preenchimento de pressupostos
processuais, já que, como se sabe, o interesse de agir de um está relacionado à
resistência do outro. Assim, não há dúvidas de que a ausência de resistência na
solução do impasse impediria o deslinde processual.
Desta feita, diante deste
cenário, ou seja, de decisões que fomentam a solução alternativa do conflito
para “salvar” o Judiciário, o que é benéfico à toda a sociedade, entendemos
que, cada vez mais, os serviços de atendimento ao cliente devem estar
preparados para receber e tratar das demandas recebidas, apresentando
alternativas ao consumidor para solução dos conflitos ou fundamentando e
esclarecendo ao cliente, de acordo com os preceitos legais, as razões pelas
quais, eventual reclamação apresentada mostra-se não fundamentada, a exemplo de
situações em que (i) não foi
constatado qualquer vício ou defeito no produto; (ii) a culpa exclusiva do
consumidor pelo mau uso ou uso inadequado que gerou um problema em determinado
produto; (iii) o produto já ter sido reparado
e não apresentar qualquer problema insanável; (iv) o produto não apresenta condições para que uma garantia seja
concedida, entre outros.
Tais esclarecimentos
prévios traduzem, também, o cumprimento, pelo fornecedor, do dever de informar,
o que é salutar na relação de consumo.
Concluiu-se, portanto,
que tais preceitos processuais e constitucionais das decisões recentes que
entendem pela falta de interesse de agir quando da ausência de tentativa de
solução extrajudicial pelo consumidor, também estão em consonância com o art.
4º, CDC que preza pela harmonização e equilíbrio das relações de consumo.
[1]
https://www.consumidor.gov.br/pages/principal/?1513173895265
[2] FRANCO, Ellen Pricile Xandu Kaster
– Processo 0802999-70.2016.8.12.0017 – Primeira Vara Cível da Comarca de Nova
Andradina do Estado do Mato Grosso do Sul – Sentença Proferida em 06/09/2016
[3]
TJRS, Agravo de Instrumento nº 000839-28.2015.8.21.700, Rel. Desembargador
Eugênio Facchini Neto, j. 26.08.2017
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Dr. Roque Calixto Choairy Pinto Departamento: Relações de Consumo |