Reversão Justa Causa























Recentemente tivemos notícia de que uma assustadora porcentagem que vai de 70% a 80% das demissões por justa causa aplicadas pelos empregadores acabam por ser anuladas pelo Judiciário, que os condena a readmitir os funcionários ou a pagar as indenizações próprias de dispensas sem justa causa.

E, é claro, como frequentemente nos deparamos no dia a dia profissional, a maior causa dessa reversão é a ausência de comprovação da falta grave cometida.

Outro motivo comum seria a desproporcionalidade entre a conduta e a punição, ou seja, considera-se que o comportamento do trabalhador não seria passível de penalidade tão radical.

E, sendo a justa causa a maior das penalidades que o empregador pode aplicar ao seu empregado, na qual o trabalhador é dispensado sem o pagamento de praticamente nenhuma verba rescisória, tendo inclusive retido seu fundo de garantia e seu seguro-desemprego, é natural que somente seja cabível em situações devidamente apuradas, de extrema gravidade, devidamente elencadas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

São elas:

- Ato de Improbidade
Toda ação ou omissão do empregado em que ele age com má-fé, visando a obter vantagens para si ou para outrem, que revele abuso de confiança, fraude ou má-fé. São exemplos típicos o furto, a adulteração de documentos pessoais ou pertencentes ao empregador, etc.

- Incontinência de Conduta ou Mau Procedimento
São duas justas causas semelhantes, mas não sinônimas. Mau procedimento é gênero do qual incontinência é espécie.

A incontinência revela-se pelos excessos ou imoderações. Ocorre quando o empregado comete ofensa ao pudor, obscenidades, em desrespeito aos colegas de trabalho e à empresa.

Mau procedimento caracteriza-se pelo comportamento incorreto, irregular do empregado, através da prática de atos que firam a discrição pessoal, o respeito, que ofendam a dignidade, e que não se enquadre na definição das demais justas causas. Sua constatação é uma tarefa muito difícil, pois é necessário distinguir atos sem intenção ou brincadeiras impróprias daqueles que efetivamente configurem o que a lei pretendeu coibir.

- Negociação Habitual
Ocorre se o empregado, sem autorização expressa do empregador, por escrito ou verbalmente, exerce, de forma habitual, atividade concorrente, explorando o mesmo ramo de negócio, ou mesmo uma outra atividade que, embora não concorrente, prejudique o exercício de sua função na empresa. Importante: para a configuração do ato lesivo, o funcionário deve agir manifestamente “sem permissão”.

- Condenação Criminal
Neste caso, despedimento do empregado justificadamente é viável pela impossibilidade material de subsistência do vínculo empregatício, uma vez que, cumprindo pena criminal, o empregado não poderá exercer atividade na empresa.

Se, no entanto, embora condenado, se forem concedidos benefícios, como a suspensão da execução da pena (sursis), o empregado terá possibilidade de continuar a exercer as suas funções na empresa, não justificando, assim, a dispensa por justa causa.

- Desídia
A desídia é o tipo de falta grave que, na maioria das vezes, consiste na repetição de pequenas faltas leves, que denotam seu desinteresse, relaxamento, negligência, preguiça, má vontade, desleixo, desatenção e omissão, falhas estas que se vão acumulando até culminar na dispensa do empregado.

São elementos materiais a pouca produção, os atrasos frequentes, as faltas injustificadas ao serviço, a produção imperfeita e outros fatos que prejudicam a empresa e demonstram o desinteresse do empregado pelas suas funções.
 
- Embriaguez Habitual ou em Serviço
Para a configuração da justa causa, é irrelevante o grau de embriaguez e tampouco a sua causa, sendo bastante que o indivíduo se apresente embriagado no serviço ou se embebede no decorrer dele.
 
O álcool é a causa mais frequente da embriaguez. Nada obsta, porém, que esta seja provocada por substâncias de efeitos análogos (psicotrópicos).

De qualquer forma, a embriaguez deve ser comprovada através de exame médico pericial.
Entretanto, esta hipótese é muito polêmica, tendo em vista que existe a distinção entre aquele funcionário que bebe de vez em quando e acaba chegando ao trabalho bêbado e existe também a figura do alcoólatra, caso em que a jurisprudência vem classificando como uma patologia, tornando injusta a demissão por justa causa, pois este precisa de tratamento.

Assim, muitas vezes, ao invés da demissão, é aconselhável que o empregador envide esforços no sentido de encaminhar o empregado nesta situação a acompanhamento clínico e psicológico.

- Violação de Segredo da Empresa
A revelação só caracterizará violação se for feita a terceiro interessado, capaz de causar prejuízo à empresa, por exemplo, o funcionário de uma montadora de veículos que revela à concorrente informações precisas sobre o próximo veículo a ser lançado.

- Ato de Indisciplina ou de Insubordinação
Tanto na indisciplina como na insubordinação existe atentado a deveres jurídicos assumidos pelo empregado pelo simples fato de sua condição de empregado subordinado.

A desobediência a uma ordem específica, verbal ou escrita, constitui ato típico de insubordinação; a desobediência a uma norma genérica constitui ato típico de indisciplina.

- Abandono de Emprego
A falta injustificada ao serviço por mais de trinta dias faz presumir o abandono de emprego, conforme entendimento jurisprudencial.
Todavia, a validade da dispensa por justa causa por abandono de emprego pressupõe formalidades: o empregador deverá notificar o empregado por correspondência registrada ou pessoalmente, ou seja, o alerta para o retorno deve estar documentado, sob pena de ser revertida a dispensa na Justiça do Trabalho.

- Ofensas Físicas
As ofensas físicas constituem falta grave quando têm relação com o vínculo empregatício, praticadas em serviço ou contra superiores hierárquicos, mesmo fora da empresa.

As agressões contra terceiros, estranhos à relação empregatícia, por razões alheias à vida empresarial, constituirá justa causa quando se relacionarem ao fato de ocorrerem em serviço.

É importante ressaltar que a legítima defesa exclui a justa causa.

- Lesões à Honra e à Boa Fama
São considerados lesivos à honra e à boa fama gestos ou palavras que venham a expor outrem ao desprezo de terceiros, ou por qualquer meio magoá-lo em sua dignidade pessoal.

No entanto, antes de se aplicar a justa causa, é necessário averiguar os costumes e a forma de tratamento usual das pessoas naquele local. Por isso, independentemente das expressões que motivaram a justa causa, estas devem ser analisadas prudentemente, desde a forma como foram ditas até a quem foram proferidas, o lugar e os hábitos das pessoas naquele ambiente

- Jogos de Azar
Jogo de azar é aquele em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente de sorte.
Para que o jogo de azar constitua justa causa, é imprescindível que o jogador tenha intuito de lucro, de ganhar um bem economicamente apreciável.

- Atos Atentatórios à Segurança Nacional
A prática de atos atentatórios contra a segurança nacional, desde que apurados pelas autoridades administrativas, é motivo justificado para a rescisão contratual. 

COMO PROCEDER NA PRÁTICA

Os motivos mais frequentes invocados pelas empresas para a aplicação de justa causa são desídia (desinteresse, descaso, faltas e atrasos), indisciplina e abandono do emprego, nessa ordem, e são estes, justamente, os casos com maior índice de insucesso em sua manutenção pela Justiça Obreira.

É incontestável, todavia, que, independentemente do fato de esta ser francamente favorável ao empregado, a verdade é que, no mais das vezes, as próprias empresas têm significativa parcela de responsabilidade por seu insucesso, despreparadas que estão para identificar e coletar adequadamente as provas que futura e inevitavelmente lhes serão cobradas em juízo...

A grande maioria das empresas, muitas vezes por não contar com a necessária orientação jurídica, deixa de registrar o comportamento inadequado do funcionário, de colher preventivamente as provas documentais porventura existentes e de garantir que contará com testemunhas dos fatos ensejadores da dispensa.

A par disso, é comum que sejam deixadas de lado, no ímpeto do momento, muitas exigências legais para a concretização de uma demissão por justa causa.

A propósito, a demissão de um empregado, seja por qual motivo for, já não é questão simples, e na caracterização de uma justa causa, com os ânimos acirrados, torna-se ainda mais tormentosa!

Para se ter uma ideia, a grande maioria dos sindicatos simplesmente se recusa a homologar uma dispensa por justa causa.
E tal postura é até compreensível, visto que o trabalho é constitucionalmente protegido, como um direito social fundamental (art. 6º da CF), base da ordem econômica (art. 170), e da ordem social (art. 193).

Assim, em princípio, a mera rescisão contratual entre empresa e empregado é vista com grandes reservas pela Justiça do Trabalho, seja ela por justa causa, sem justa causa, e até mesmo se for decorrente de um pedido de demissão espontâneo do próprio funcionário, caso em que é exigida homologação pelo sindicato, sob pena de vir a se transformar em dispensa por iniciativa da empresa, se posteriormente questionada pelo empregado!!!

Vemos com frequência casos em que, precipitadamente, o Departamento Pessoal da empresa já promove uma demissão, sem ter antes se certificado de que aquela conduta está tipificada e devidamente comprovada, ou sem ter aplicado ao funcionário qualquer tipo de sanção mais amena, se for o caso, acreditando que basta a situação se enquadrar num dos motivos do artigo 482 da CLT para que esteja viabilizada a dispensa por justa causa.

Ocorre que, na aplicação de justa causa para determinadas condutas, como no caso de reiteradas faltas injustificadas, que viriam a caracterizar a desídia, as punições devem obedecer a uma gradação, principiando com advertência oral, a seguir escrita, depois suspensões, até finalmente culminar com a maior delas, a demissão. Sendo que todas estas penalidades devem estar devidamente documentadas, se possível assinadas pelo empregado e testemunhadas!

Ademais, a pena deve ser sempre aplicada com rapidez (em respeito ao chamado princípio da imediatidade), para que não se caracterize o perdão tácito, o que também pode vir a ser um forte motivo para a anulação da dispensa em juízo.

Como já visto, são várias as faltas ensejadoras de dispensa elencadas no artigo 482 da CLT, e, para cada uma delas, faz-se necessário um procedimento específico, que deve ser cumprido, a fim de que a justa causa seja referendada em Juízo, se o empregado decidir se insurgir.

Neste ponto, é importantíssima a consulta prévia ao advogado trabalhista, que poderá orientar e conduzir a atuação adequada a cada uma das hipóteses aventadas.

Por fim, mas sem a intenção de esgotar o assunto, que demandaria muitas outras considerações, é importante que a empresa se atente para a manutenção de um clima de respeito no momento da demissão, sob pena de acabar arcando com uma indenização por danos morais.


                                                                                                                                         Leila De Luccia

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