A mera realização de recall não gera dever de indenizar























A mera realização de recall não gera dever de indenizar
O Brasil é um dos maiores mercados de veículos no mundo em virtude da isenção de impostos e do baixo custo para a produção de um veículo para exportação em nossas terras . Tal realidade contribui para o desenvolvimento econômico do país, uma vez que, além da maior quantidade de montadoras contribuírem para a redução do valor do produto aos consumidores, novos empregos diretos e indiretos são gerados a partir do estabelecimento dessas montadoras.

Entretanto, diante do desenvolvimento tecnológico dos veículos, muitas vezes são necessários ajustes a fim de eliminar riscos à saúde do consumidor, sendo necessário ao fabricante recolhê-los para que sejam reparos sejam realizados ou esses veículos sejam trocados.

Assim, diante da necessidade dos fabricantes de veículos comunicarem preventivamente aos seus clientes a possibilidade de que determinados veículos serem reparados ou sofrerem alguns ajustes surgiu-se a figura do recall, ou chamamento, que é a palavra utilizada no Brasil para indicar o procedimento a ser adotado pelos fornecedores, de chamar de volta os consumidores em razão da possibilidade do bem vir a oferecer risco à saúde e segurança dos consumidores em razão de produtos ou serviços colocados no mercado, evitando, assim, a ocorrência de acidentes de consumo.

Embora seja muito utilizado pela indústria automobilística, o recall também pode e deve abranger outras áreas, como a de medicamentes, brinquedos e alimentos, por exemplo. Porém, a supremacia das montadoras de veículos em relação a outras áreas das relações de consumo é inequívoca. No ano passado, dos 130 recalls realizados, 89 foram realizados em automóveis

Esse procedimento está previsto no artigo 10 do CDC. No entanto, considerando o aumento do volume desses procedimentos, foi necessária a regulamentação do recall, feita por meio da Portaria do Ministério da Justiça n° 487/2012.

Todavia, com a crescente judicialização de conflitos, o Poder Judiciário tem se deparado cada vez mais com a seguinte questão: a mera realização de recall, ou seja, o mero chamamento dos consumidores para substituições de peças ou ajustes de forma a evitar risco a saúde e segurança do consumidor, gera dever de indenizar aos consumidores?

Antes de adentrarmos nessa análise, cabem breves apontamentos acerca da responsabilidade civil nas relações de consumo.

O artigo 12 do CDC, dispõe que a responsabilidade pelo fabricante de produtos é objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo, salvo as excludentes, que estão descritas no parágrafo terceiro.

Sendo assim, se o consumidor vier a sofrer danos gerados por acidentes de consumo em virtude de defeito no produto, mesmo com recall realizado, esta será responsabilizada. Esse é o entendimento do TJ/SP (TJ-SP - APL: 10048412720158260606 SP 1004841-27.2015.8.26.0606, Relator: João Pazine Neto, Data de Julgamento: 11/10/2016, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/10/2016).

Entretanto, o que se discute aqui é se a mera realização de recall é passível de gerar o dever de indenizar o consumidor.

O Tribunal de Justiça de São Paulo em recente julgado entendeu que se o acidente não possui relação com o objeto do recall, não há o dever de indenizar. Portanto, conclui-se que o mero chamamento não gera direito à indenização por danos morais (TJ-SP - APL: 10009249720148260003 SP 1000924-97.2014.8.26.0003, Relator: Jairo Oliveira Junior, Data de Julgamento: 30/01/2015, 12ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 04/02/2015).

Como visto, o procedimento de recall serve para dar publicidade há necessidade de ajustes ou substituições de forma a EVITAR o dano. Em sendo o dano requisito para a responsabilidade civil, caso não configurado e, sim, evitado o dano, por conta do recall, inexistirão elementos para a responsabilização civil.

Dessa forma, sanado o problema, se existente naquele veículo especifico e ausente qualquer dano ao consumidor em decorrência do recall, não há o dever de indenizar pelo fato de um modelo estar contemplado no Recall, sendo esse procedimento devidamente regulado e fiscalizado pelos órgãos competentes de proteção ao direito do consumidor para evitar danos.

Há que se dizer ainda que muitos recalls não contemplam todos os chassis sequenciais, ou seja, geralmente o recall é realizado entre o chassi “x” até o chassi “y”. Tal fato não significa que todos os veículos necessitem de ajustes ou substituições, razão pela qual, o consumidor sempre deve entrar em contato com a montadora para se certificar da necessidade ou não de comparecimento.
 
Ademais, ainda que o chassi possa estar contemplado, quando da análise do bem, pode-se concluir pela desnecessidade de qualquer substituição, pois o veículo não apresenta riscos à saúde e segurança do consumidor. Assim, para fins de responsabilização, imprescindível, os requisitos para tanto: ato ilícito, dano e nexo de causalidade.

Logo, se o recall é procedimento exigido pelo CDC e regulamentado pelo Ministério da Justiça, o recall não pode ser caracterizado como ato ilícito, além de que o próprio CDC possibilita a realização de trocas e substituições antes de qualquer indenização.

Assim, sob todos os aspectos, nota-se que o chamamento não configura ato ilícito, não gera dano (mas, sim, evita o acidente de consumo). Portanto, inexiste nexo de causalidade entre o pedido de dano moral e a mera realização de recall com o chamamento do consumidor para procedimentos que visam impedir ou eliminar qualquer risco à saúde e segurança do consumidor.

Sendo assim, a mera realização de recall não gera dever de indenizar.

                                                                                                                     Hallison Rodrigues Conrado

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