Pokémon Go e os Impactos Jurídicos da Realidade Aumentada






















Atualmente, a grande maioria da população conhece, é adepta ou já tem noções sobre o que é o Pokémon Go. Contudo, para aqueles que ainda não conhecem, trata-se de um aplicativo de jogo de realidade aumentada, no qual o jogador consegue capturar, treinar e batalhar com criaturas virtuais denominadas “pokémons”.
 
A realidade aumentada traz a integração entre informações virtuais e visualizações do mundo real, ou seja, o jogador consegue, através da câmera do smartphone ou tablet, jogar no aplicativo como se as criaturas estivessem presentes no ambiente real.

O desenvolvedor do jogo, Niantic, fez um mapeamento geográfico de cada país onde lançou o game, possibilitando que o usuário percorra diversas localidades reais atrás dos pokémons, utilizando somente o sinal GPS de seu celular.
Porém, a realidade aumentada pode levar o usuário à alienação do mundo real e das implicações que suas ações podem gerar. Não se trata apenas de pequenos incidentes, tais como empurrões e tropeços nas calçadas. Muitos acidentes relacionados à falta de atenção e cuidado dos usuários já começaram a aparecer no território brasileiro, além de furtos, assaltos, invasões em propriedades privadas, acidentes de trânsito ocasionados pelo uso do jogo concomitantemente com a direção e demais questões a serem tratadas neste artigo.

Sem dúvida, em razão dos reflexos visualizados no mundo real, o Direito havia de se manifestar. Primeiro, pela clara relação de consumo estabelecida pela empresa fornecedora (Niantic) e o consumidor (usuário do game), de acordo com as normas do Código de Defesa do Consumidor, se impõe ao desenvolver a observância de direitos e princípios basilares da relação de consumo. Segundo, pelas diversas ocorrências que, eventualmente, prejudiquem terceiros, ocasionando assim, lavratura de boletins de ocorrência, reclamações no Procon e até ações indenizatórias.

Além disso, em se tratando do Brasil, quando algo viraliza entre os usuários é difícil manter o controle, tal qual prever o alcance que o mero aplicativo pode impactar no cotidiano dos brasileiros.

• FURTO / ROUBO / ACIDENTES PESSOAIS

Já era esperado que perambular pelas ruas no Brasil com um smartphone nas mãos, totalmente imerso na realidade aumentada, chamaria atenção de assaltantes e pessoas mal-intencionadas. Pois bem, com menos de um mês de lançamento do jogo no Brasil são notórios casos de furto e roubo dos celulares, principalmente nas grandes capitais.

Sabendo que os usuários se permitem estar vulneráveis, ao concordarem em jogar Pokémon Go caminhando pelas ruas com seus celulares à mostra, e por muitas vezes desacompanhados e em locais ermos, acabam se tornando alvo para o aumento de tais práticas delitivas.

Em face disso, já existem anúncios de empresas seguradoras oferecendo seguro de acidentes pessoais “para caçadores pokémons”.

















A cobertura está relacionada aos danos sofridos pelos usuários do Pokémon Go e demais games de realidade aumentada, durante o uso dos aplicativos. Contudo, o interessado deve se precaver de soluções milagrosas consultando um advogado no ato da contratação, para que seja analisado o rol de cobertura do serviço oferecido.

Outra novidade que surgiu diante dos curiosos problemas, às vezes trágicos, sofridos e ocasionados pelos treinadores pokémons, é o seguro de vida para os usuários do aplicativo. Considerando o ímpeto dos jogadores em se aventurarem pela cidade, distraídos com o smartphone, é uma nova solução que afirma oferecer socorro a qualquer momento para tombos e acidentes graves, além de transporte para hospitais e unidades de socorro.

Ainda, apesar de haver prontamente a relação de consumo entre o desenvolver do game e o usuário, não é razoável responsabilizar a empresa pelo mau uso do seu produto, uma vez que, o aplicativo, de tempos em tempos, exibe um alerta aos consumidores com a seguinte mensagem: “Remember to be alert at all times. Stay aware of your surroundings” (Lembre-se de estar atento em todos os momentos. Fique atento ao seu entorno).

Dessa forma, não se vislumbra assertiva a possibilidade de responsabilização do desenvolvedor por quaisquer acidentes pessoais ou danos a outrem, em razão da distração provocada por seu aplicativo, justamente porque este já alerta seus consumidores/usuários dos possíveis riscos.

• INVASÃO DE PROPRIEDADE PRIVADA / ACESSO ÀS ÁREAS RESTRITAS DESLOCAMENTO DO JOGADOR VIA GPS

Outro fato incomum advindo do uso do aplicativo trata-se do aparecimento de criaturas virtuais (pokémons) em todas as localidades. O jogo não possui a consciência real de propriedade privada, área restrita, local ermo, violento ou perigoso, por isso os jogadores estão cada vez mais sendo estimulados a transpassar barreiras a fim de capturar determinados pokémons.

O primeiro caso interessante a ser mencionado - também o primeiro caso vultoso no Brasil - ocorreu no Fórum da Comarca de Atibaia/SP, quando um grupo de 25 jogadores invadiram a sala de audiência da 4ª Vara de Família para que capturassem um pokémon. Entretanto, apesar das salas de audiências habitualmente serem de livre acesso ao público, as audiências sobre casos de família são protegidas por segredo de justiça e, portanto, naquele caso, todos estavam violando o sigilo judicial.

Além de conturbarem a audiência, insistiram na captura mesmo após determinação do magistrado para que se retirassem. Por isso os invasores foram encaminhados pela segurança do Fórum à delegacia, em decorrência da voz de prisão proferida pelo magistrado.

Nesse caso, o grupo de jogadores encaminhados para a delegacia só prestou depoimento e foi liberado. No entanto, deve-se ressaltar que o que ocorreu na referida audiência é previsto no Código Penal como desacato, sendo até penalizado com detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos ou multa. Os usuários do aplicativo devem se conter, pois desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela é tipificado como crime.

Tal qual ocorreu nos Estados Unidos, o desenvolver do aplicativo posicionou alguns pontos de captura ou de batalha das criaturas virtuais, conhecidos como ginásios, em frente à residência de pessoas. Esses ginásios possibilitam que um jogador batalhe contra outro jogador com os pokémons já capturados. Com isso, a movimentação nas redondezas e inclusive em frente à entrada da residência de alguém passa a estar povoada de usuários do aplicativo causando perturbações e desconfortos para todos os residentes.

Imigrando o caso para o território brasileiro, supondo que o mesmo também esteja acontecendo com alguma residência privada, a Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 5º, prevê a inviolabilidade da intimidade e da vida privada assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral que possa sobrevir de sua violação.

Assim, utilizando-se do que preceitua o art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, é possível equiparar o residente violado ao consumidor nas situações em que o fornecedor é responsável pelo fato do produto, uma vez que o desenvolvedor é quem, aleatoriamente, direciona e posiciona os ginásios e pokestop (local marca no mapa do aplicativo para que usuários coletem itens do jogo) e, portanto, deve ser responsabilizado por futuros prejuízos as vítimas do evento.

Aliás, pode ainda vir a surgir questões em relação ao deslocamento necessário para uso do aplicativo entre os usuários. Conforme mencionado acima, sabe-se que o mapa do jogo está integrado com o mapa do mundo real. No entanto, na tela do jogo a imagem não condiz com a realidade e, por essa razão, muitos jogadores acabam sendo direcionados a localidades iminentes de ocorrência de crime, violência ou situações desagradáveis.

A dinâmica do jogo, no que tange às direções e locais, é similar a do GPS, Waze, Google Mapas e demais aplicativos do segmento que possuem um mapeamento geográfico de todas as ruas, sentidos e informações de trânsito necessários para formar uma rota até o destino informado. Na maioria dos aplicativos citados há a opção de indicação de preferência por vias hierárquicas ou caminhos mais curtos, mais rápidos, e se nem nesses casos é possível responsabilizar o desenvolvedor do aplicativo por direcionamento de rota perigosa, que dirá trazer o ônus para as informações via GPS apresentadas pelo desenvolvedor do Pokémon Go.

Além do mais, os usuários do game têm autonomia para escolher o caminho que bem entenderem, posto que não há indicação de melhor rota e nenhuma forma de direcionamento fornecida pelo aplicativo. Há, ainda, possibilidade de consulta de onde estão localizados os pokestop, mais um fator que, em tese, afasta a responsabilidade do desenvolvedor. Contudo, os jogadores devem estar alertas sobre quaisquer anormalidades contidas no jogo, pois havendo erro causador de danos e prejuízos, ao próprio usuário ou à terceiros, a responsabilidade deve ser analisada caso a caso.

• INFRAÇÃO DE TRÂNSITO / DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA

Sabe-se que o território nacional foi “ocupado” por milhares de pokémons em sua extensão, que não respeitam os limites de ruas, parques, áreas restritas, propriedades privadas, residências, pontes e até lagos, mares e rios. Muitos jogadores passaram a utilizar o aplicativo enquanto dirigem seus veículos a fim de expandir a possibilidade de captura dos pokémons.
Desde 2012 já havia estudos que levantaram números significativos acerca do uso do celular ao volante, mais precisamente afirmando que os riscos de acidentes no trânsito aumentam em 400% (quatrocentos por cento) com a distração em decorrência do uso de celular pelos condutores.

Ainda, além do risco que os usuários do aplicativo correm ao insistirem no uso do smartphone simultaneamente com a direção de um veículo, terceiros podem ser afetados pelo descuido e falta de atenção indispensáveis na condução do veículo, ocasionando colisões ou, quem sabe, atropelamentos.

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, o uso de celular na condução do veículo, seja por viva-voz ou fone de ouvido, trata-se de infração de trânsito média com penalidade de multa de R$ 85,00 (oitenta e cinco reais) e que soma quatro pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação), de acordo com o artigo 252, inciso VI. Além disso, a normativa de trânsito brasileira prevê também como infração média a condução de veículos com apenas uma das mãos, que é justamente o caso dos “caçadores pokémons”, que utilizam o aplicativo de forma irresponsável, infringindo, ainda, o artigo 169 do mesmo Codex, que trata da direção sem atenção ou sem os cuidados indispensáveis à segurança do condutor, passageiro e terceiros alheios à situação.

Os usuários do game devem inclusive ter em mente que, provocando uma colisão de veículos ou outro acidente de trânsito que gere prejuízos, a respectiva reparação de danos por parte da seguradora – havendo contrato de seguro – pode acarretar no futuro desembolso dos valores indenizados por esta (Ação Regressiva).

Aliás, é entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a seguradora sub-roga-se nos direitos do segurado, o que significa dizer que é possível o ressarcimento do que foi despendido na reparação dos danos, nos mesmos termos e limites que assistiam ao segurado.

Hipoteticamente, se um jogador de Pokémon Go estiver utilizando o aplicativo durante a condução de seu veículo e houver uma colisão, a seguradora responsável pelo pagamento - até o limite previsto na apólice - poderá requerer em juízo o ressarcimento dos valores, tendo em vista a responsabilidade civil do real causador do dano, uma vez que a violação das normas de trânsito brasileira acarreta no Direito de Regresso pela seguradora.

Comumente é prevista em apólices de seguro uma cláusula expressa sobre “Perdas de Direitos”. Nela é possível verificar se a conduta do usuário do aplicativo traria o agravamento intencional do risco objeto do contrato, e em razão disso, isentaria a seguradora de qualquer obrigação decorrente do referido contrato.  É válida a análise jurídica do referido contrato para que sejam evitados futuros percalços em um eventual acidente de trânsito.

Quanto ao ‘real causador do dano’, imagino que não vislumbre razoabilidade qualquer tentativa de responsabilizar a empresa desenvolvedora, Niantic, pelos acidentes e colisões ocasionados por seus usuários, vez que sempre que a movimentação é aumentada bruscamente o próprio jogo identifica a velocidade advinda de um meio de transporte e exibe o seguinte alerta: “You are going too fast! Pokémon Go should not be played while driving. ” (Você está indo muito rápido! Pokémon Go não deve ser jogado enquanto dirige); sendo que a tela só é liberada se o jogador clica em “I’m a passenger” (Eu sou um passageiro).

• DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA

Por último, engana-se quem pensa que Pokémon Go se trata de um jogo só para crianças e adolescentes. O jogo teve tamanho sucesso que invadiu os smartphones das pessoas de todas as idades. Contudo, o problema que acompanha essa situação é a distração em ambiente e expediente de trabalho.

Os empregadores que se sentirem prejudicados pela queda de desempenho dos empregados pode vir a aplicar advertências, punições ou até mesmo demissões por justa causa.

Isso porque, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT prevê a hipótese de rescisão do contrato de trabalho quando houver desídia no desempenho das respectivas funções (art. 482, alínea “e”), bem como se o empregador já houver conferido advertência em outras oportunidades sobre o uso do game ou mesmo do aparelho celular, conferindo ato de indisciplina ou de insubordinação pelo empregado (art. 482, alínea “h”). Em ambas as hipóteses o empregador está acobertado pela demissão por justa causa, se assim optar.

Além disso, a Justiça do Trabalho tem entendimento consolidado acerca do uso de celulares, smartphones e demais aparelhos eletrônicos em ambiente de trabalho, o que corrobora para a rescisão de contrato de trabalho sem grandes transtornos.

Quanto a isso, os “caçadores pokémons” devem estar atentos às advertências, bem como procurar conhecer as normas internas de sua empresa para que se evitem surpresas fora da realidade aumentada.

Nota-se que os impactos de um simples aplicativo podem transcender os limites individuais do usuário, de sorte que todos devem manter o bom senso para que esse aplicativo cumpra sua função, a saber entretenimento e diversão, evitando problemas para si e, principalmente, para terceiros.

                                                                                                                                   Jéssica Silva Mazza

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