A Recente Decisão do TJSP que Condenou o Google por Não Excluir Site Fraudulento






















A responsabilidade civil dos provedores de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros é um dos temas mais debatidos e controvertidos do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14).
 
Perfis falsos e outras formas de divulgação de informações inverídicas na internet podem gerar danos irreparáveis às pessoas que são vítimas da sua utilização, notadamente, em razão da rápida propagação do conteúdo ofensivo no mundo virtual.
 
Com a enorme quantidade de disponibilizações na internet, de fato, é praticamente impossível uma análise prévia por parte dos provedores.
 
Contudo, o que vinha ocorrendo antes do advento do Marco Civil – com o respaldo de decisões judiciais (inclusive do STJ) – era a responsabilização das provedoras em caso de não retirada do conteúdo ofensivo, após o recebimento de notificação extrajudicial do lesado.
 
O Marco Civil veio regular o uso da internet no Brasil, e, com relação à “Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros”, assim dispôs no artigo 19:
 
“Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. ”
 
Ou seja, em teoria, com o advento do Marco Civil, o provedor de aplicação só seria responsabilizado em caso de não retirada do conteúdo ofensivo após ordem judicial.
 
A única exceção no Marco Civil referente à retirada de publicações sem ordem judicial está prevista no artigo 21 e trata de tema especifico: veiculação de material contendo “cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado” (denominado pela doutrina de “pornografia de vingança”).
 
Todavia, o artigo 19 vem gerando muita discussão entre os especialistas da área.
 
Aqueles que defendem o artigo 19 justificam a sua aplicação na liberdade de expressão e proibição da censura.
 
Já aqueles que são contra justificam que a lei criou proteção demasiada para as provedoras e reduziu a proteção para os usuários da internet. Além disso, a manutenção de conteúdo ilícito em nome da liberdade de expressão pode acarretar lesões irreparáveis aos direitos da personalidade do lesado.
 
Frise-se, ainda, que a propositura de ação judicial deixa de ser mero instrumento de proteção dos direitos da vítima, para se tornar uma condição sine qua non da responsabilidade civil.
 
E é justamente ao encontro desse entendimento – contrário à aplicação do artigo 19 do Marco Civil – que a recentíssima decisão da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo[1] condenou o Google por não excluir site fraudulento, mesmo sem o descumprimento de ordem judicial.
 
No caso específico, a autora, uma empresa que vende material de construção e possui apenas loja física, soube que foi criado um site de vendas pela internet, sem o seu consentimento, mas utilizando o seu nome e endereço e lesando diversos consumidores mediante fraude, o que causou vários prejuízos à empresa (reclamações, problemas com a concorrência e até ajuizamento de ações de consumidores que compraram mercadorias da falsa loja virtual).
 
A empresa requereu a retirada do site fraudulento ao Google, por meio de notificação extrajudicial, mas recebeu resposta no sentido de que não seria tomada nenhuma medida em relação ao URL indicado, razão pela qual ingressou com a ação judicial, solicitando a remoção do site e indenização por danos morais.
 
A sentença de primeira instância considerou o Google como parte ilegítima, mas o TJSP reformou esse entendimento. E, justamente nesse ponto, reside a inovação que torna essa decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, inclusive, emblemática.
 
A decisão da 1ª Câmara de Direito Privado foi no sentido de que o fato de o site fraudulento não ter sido criado e disponibilizado na internet pelo provedor não afasta a sua responsabilidade pelo conteúdo ilícito.
 
Apesar da previsão do artigo 19 do Marco Civil exigir o descumprimento de ordem judicial, nesse caso específico da decisão do TJSP, o Google foi responsabilizado por não ter retirado o site fraudulento quando recebeu a notificação extrajudicial, razão pela qual foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00.
 
Conclui-se, assim, que de acordo com a recente decisão do TJSP, o artigo 19 do Marco Civil não deve ser interpretado literalmente, sob pena de ser considerado inconstitucional.
 
Ao invés da remoção atrelada à determinação judicial, o ideal seria uma remoção preventiva da página pelo provedor (após o recebimento de notificação extrajudicial). Esta remoção poderia ser submetida a procedimento administrativo interno, e, caso nada de irregular fosse constatado, a página voltaria ao ar.
 
Como esse tema ainda é novo e tem gerado várias discussões por especialistas, inclusive na jurisprudência, acredita-se que no futuro o artigo 19 poderá ser revisto em uma (eventual) nova regulamentação do Marco Civil da Internet.




, Relator Des. Francisco Loureiro, julgamento em 07.06.2016.

                                                                                                                                        Andréa Ronzoni

 

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